quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A função do pai em psicanálise


A  função do pai em psicanálise

                                                         Rosa Jeni Matz

Joel Dor, em seu livro “O pai e sua função em psicanálise” (1) afirma que “a noção de pai intervém no campo conceitual da psicanálise como um operador simbólico a-histórico” (2). Mas, ao ficar fora da história, ele está “paradoxalmente inscrito no ponto de origem de toda história” (3), uma história mítica, mito necessário e universal. A noção de pai em psicanálise também não se refere “exclusivamente à existência de algum pai encarnado” (4), nada garante que a encarnação corresponda à consistência de um pai investido de legítimo poder estruturante do inconsciente. Não se trata de um ser encarnado, mas de “uma entidade essencialmente simbólica que ordena uma função” (5). Pela sua característica universal, o seu caráter é operante e estruturante, para qualquer sexo que a ele se refere. É Lei universal, é Linguagem. Sendo este pai simbólico universal, somos tocados pela sua função, que nos estrutura como “sujeitos”: “nenhuma outra saída é proposta ao ser falante a não ser curvar-se ao que lhe é imposto por esta função simbólica paterna que o assujeita numa sexuação” (6). Por esta especificação é proposto ao sujeito “um espaço de identidade sexual, que não tem, necessariamente, adequação biunívoca com a bipartição biológica dos sexos” (7).
Questiona: Sob que insígnias se alojam os pais encarnados, os pais que empiricamente são colocados em situação de se designarem pais? Responde: aparecem no máximo como diplomatas, e embaixadores comuns. O embaixador representa o seu governo junto ao estrangeiro, e o pai, “no real de sua encarnação” (8), deve representar o governo do pai simbólico, assumindo a delegação desta autoridade junto à “comunidade estrangeira mãe-filho” (9). Para realizar melhor esta missão é importante que o pai encarnado, assim como o embaixador,  fale a língua estrangeira no país onde se aloja, conheça a língua da dialética do desejo dos protagonistas perante os quais deve assumir a sua função.
Assim, “nenhum pai, na realidade, é detentor e, a fortiori, fundador da função simbólica que representa. Ele é seu vetor” (10). Instala-se, um desvio entre a paternidade e a filiação, sendo a filiação prevalente à paternidade real, já que se desenvolve num nível prioritariamente simbólico.
Sobre a qualidade do pai, sobre as suas virtudes, não é importante questionar, mas sim pensar a sua “natureza”.
É fundamental distinguir o pai simbólico, do pai real que tem uma existência concreta e histórica, do pai imaginário, entidade fantasística. A instância do Pai simbólico se refere à Lei da proibição do incesto. Mas, para que esta Lei se funde é necessário uma negociação imaginária entre os protagonistas da família, Pai-mãe-filho, reunidos pela triangulação edípica, sendo que todos se referem a um quarto elemento, o falo, que é o parâmetro fundador capaz de inferir o investimento do pai simbólico a partir do Pai real, pela via do imaginário. “O falo constitui o centro da gravidade da função paterna, que vai permitir a um Pai real chegar a assumir a sua representação simbólica”(11). O Pai precisa, num dado momento, dar provas de que é capaz de regular a circulação da economia do desejo entre a mãe e o filho.
Em termos da carência paterna, pode-se afirmar que “a função paterna conserva a sua virtude simbólica inauguralmente estruturante na própria ausência de todo Pai real”(12). A função do Pai simbólico é exterior ao Pai real, sendo a função simbólica, a pedra angular da problemática paterna na psicanálise. É estruturante porque se funda num princípio estrutural. Esta função se aplica “no quadro de uma estrutura, ou seja, o conjunto de um sistema de elementos governados por leis internas”(13).
A dimensão do Pai simbólico transcende a contingência do Pai real, “não é pois necessário que haja um homem para que haja um pai” (14). Seu estatuto é de puro referente, sendo o papel simbólico do pai sustentado pela atribuição imaginária do objeto fálico. Assim, basta que um terceiro, mediador do desejo da mãe e do filho, ocupe esta função, para que seja significada a sua incidência legalizadora e estruturante.
Esta função determina “um lugar terceiro na lógica da estrutura” (15), sendo que o estatuto do pai simbólico se refere ao significante do Nome-do-Pai, logo a não exigência da presença de um homem que se designe pai na realidade. O pai é investido de uma contextura significante, que na metáfora paterna implica a substituição do significante do desejo da mãe pelo significante Nome-do-Pai. Como Lacan diz, o pai é uma metáfora, um significante que vem no lugar de outro significante.
O falo:
A metáfora Nome-do-Pai gravita em torno do objeto fálico. O objeto fálico constitui a pedra angular da problemática edipiana e da castração: “A referência ao falo não é a castração via pênis, mas referência ao pai, ou seja, a referência a uma função que mediatiza a relação da criança com a mãe e da mãe com a criança”(16).
Dor afirma que “o pai só é estruturalmente terceiro na situação edipiana porque o falo é o elemento significante que lhe é atribuído...o objeto fálico é, antes de mais nada, um objeto cuja natureza está em ser um elemento significante” (17).
Surge em Freud, como organização fálica, estádio fálico, mãe fálica. A noção de falta (“falta do pênis”), é introduzida na diferença dos sexos: “o órgão genital feminino só é diferente do órgão genital masculino porque lhe falta alguma coisa”(18). A concepção de que alguma coisa falta confere um lugar ao que falta no registro imaginário, postulando um objeto, o falo imaginário, algo faltante devia estar ali. Mas, a problemática fálica imaginária é sustentada pela dimensão simbólica, a castração permite ao imaginário a concepção da falta. O falo, enquanto objeto imaginário, entra na báscula do desejo, na questão do ser, que desemboca na resolução da metáfora paterna. Para Lacan, o falo é o significante primordial do desejo na triangulação edipiana. Então, o Complexo de Édipo: lugar do falo no desejo da mãe, da criança, e do pai, na dialética do ser e do ter.
O falo na teoria é igual a carência e falta (manque, presença de uma ausência) do “pênis”. O significante é presença de uma ausência, o falo não é representável, pertencendo à ordem das representações imaginárias, mas como falo simbólico, funciona como circulante na estrutura edípica, produzindo as suas variações na determinação de funções de seus personagens.
Em Lacan, ao se falar do falo imaginário, imagem fálica, surge o tema da completude corporal, o falo é aí o objeto imaginário com que o sujeito se identifica, marcando a perfeição, não-carência, narcisista, onipotente, da fase do espelho para a criança, como também para a mãe (falo=filho), representa o outro do seu desejo. Como significante é o entrecruzamento dos dois desejos, a possibilidade de intercâmbio e troca. 
O falo imaginário é qualquer coisa que pode completar a falta. O falo simbólico se caracteriza pela possibilidade de substituição, de circulação entre o dar e o receber: “este falo se pode ter e perder (castração), mas não se pode ser”. O falo organiza, regula a estrutura do sujeito, tanto no imaginário, como no simbólico.
Em “As Formações do Inconsciente”, sobre a expressão recente “carência paterna” Lacan diz que é o resultado de uma análise que se torna cada vez mais ambientalista, ressaltando que “nem todos os analistas incorrem nessa mania, Graças a Deus”(20). As perguntas sobre a biografia do pai, como: o pai estava presente ou não? se viajava ou não? se o Édipo pode se constituir normalmente quando há inexistência do pai? diz que são questões que não impedem a constituição do Édipo, que pode se constituir na ausência do pai real.

Notas:
1-Dor, J., O pai e sua função em psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
2-Ibid.p.13
3-Ibid.p.13
4-Ibid.p.13
5-Ibid.p.14
6-Ibid.p.14
7-Ibid.p.14
8-Ibid.p.14
9-Ibid. p.14
10-Ibid.p.15
11-Ibid.p.18
12-Ibid.p.18
13-Ibid.p.19
14-Ibidp.19
15-Ibid.p.19
16-Dor, J., Introdução à leitura de Lacan, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p.73.
17-Ibid.p.74
18-Ibid.,p.75
19-Vallejo,A.,Magalhães,L.. Lacan: operadores da leitura, São Paulo: Editora Perspectiva, 1991, p. 57.
20-Lacan, Jacques. As Formações do Inconsciente, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1957-1958, p.172.

Bibliografia:
Dor, J., Introdução à leitura de Lacan, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
Dor, J., O pai e sua função em psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
Lacan, J. As Formações do Inconsciente, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1957-1958.
Vallejo, A.,Magalhães,L.. Lacan: operadores da leitura, São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.

Nenhum comentário:

Postar um comentário