Reflexões sobre dinheiro e
psicanálise.
Comentários a partir de Freud e do
texto “Capital e libido” de Antonio Quinet.
Rosa Jeni Matz
Aproximei o tema “dinheiro e
psicanálise” aos 2 registros lacanianos: Simbólico e Real, detendo-me no
registro do Real, pois é onde se encontra a questão do dinheiro, da libido como
gozo, e a psicanálise na contemporaneidade.
Para Freud na Metapsicologia a
libido é energia, grandeza quantitativa das pulsões.
Quinet parte do conceito de
pulsão, constituída pelo significante (representante da representação) e libido.
O significante é cifrado no inconsciente, sendo que a libido, parte
quantitativa da pulsão, não tem representação no inconsciente. O dinheiro se
situa com um pé no ciframento/deciframento (cifra/representação) e outro pé na
energia quantificável (libido/satisfação). A pulsão situada como conceito
limítrofe entre o somático (Real) e o psíquico (Simbólico).
Millet em seu livro Silet afirma que Lacan fez três
reescrituras do conceito freudiano de libido em sua obra. No primeiro momento
situou a libido no registro do Imaginário em relação ao narcisismo. No segundo
momento fez da libido desejo no registro do Simbólico, conduzindo a
equivalência entre desejo e deslizamento metonímico. Na terceira reescritura
Lacan dá conta da libido no registro do Real como gozo indo contra o princípio
do prazer.
A entrada do sujeito na cultura
insere o dinheiro como Simbólico, fazendo-o existir em função da linguagem,
como troca de objetos marcados pela simbolização Em Freud o dinheiro faz parte
da série de equivalências simbólicas formada pelos objetos marcados pela
castração: seio, pênis, excremento, dinheiro, criança, presente, etc.
O dinheiro vinculado ao desejo
aponta para a falta, falta a ser, deslizando pelos intervalos da cadeia
significante, como metonímia da falta.
Freud em seu trabalho “O início
do tratamento” diz que poderosos fatores sexuais acham-se envolvidos no valor
dado ao dinheiro pelo analisante. O fator sexual é da ordem da pulsão. Podemos
pensar que sendo o sujeito singular, cada um lida com a questão do dinheiro num
modo próprio. Freud relacionou dinheiro e fase anal, e Lacan à demanda do
Outro, onde a mãe demanda ao filho suas fezes, este podendo reter ou ofertar,
ambos num processo de demanda incondicional de amor. O objeto a, as
fezes, é um objeto cedível.
Para Quinet o gozo é o
conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e
satisfação, e o dinheiro no registro do Real aponta a libido como gozo.
O dinheiro na análise se encontra em conjunção entre os
significantes da pulsão recalcados e cifrados no inconsciente, e a energia
quantificável denominada por Freud de libido. Logo,
o dinheiro com um pé no Simbólico e outro no Real.
Os significantes podem
equivaler à própria cifra no inconsciente, e o “cifrão” representa o montante
das operações libidinais.
O sintoma que pode ser
decifrado é da ordem da linguagem, sendo que a libido é o que se satisfaz no
sintoma, resistindo ao deciframento e dificultando o abandono do sintoma pelo
sujeito.
Quinet questiona: se o sintoma é
um cômodo investimento do sujeito por que ele busca a análise?
Pode-se pensar a constituição da
demanda para a análise em 3 tempos:
Primeiro tempo: o preço que o
sujeito paga pelo seu sintoma é caro, bem elevado! Quando a formação de
compromisso do sintoma se rompe, o benefício secundário se desfaz, e o Real
surge, superando a satisfação produzida pelo sintoma. O sujeito pode buscar a
análise, ou não, pode buscar outros meios para compensar o desequilíbrio, como
uma viagem, compras etc.
Segundo tempo: o sujeito quer
decifrar o seu sintoma, quer saber de seu sintoma. Há uma questão no seu
sintoma que precisa ser decifrada, procurando decifrar a sua posição de
assujeitamento ao desejo do Outro que é a alienação. A alienação é o primeiro
momento no processo de constituição da subjetividade, sendo que o segundo
momento é o da separação.
Situa o sujeito no início da
análise nos 3 registros do campo lacaniano:
No Imaginário: amor de
transferência – a reciprocidade de amar e ser amado, o analisante “ama” e se
sente considerado pelo analista em seu sofrimento.
No Simbólico: é a entrada do
sujeito na cadeia significante pela associação livre, o analista sendo o Outro
para onde o sujeito endereça, envia seus significantes.
No Real: remanejamento da libido
como transferência do gozo, transferência do preço pago com o sintoma para os
custos (preço) da análise, esvaziamento do bolso através de privações,
sacrifícios etc. O sujeito fabrica um objeto que se chama analista, que se paga
para desfrutar. O analista “se vende” como objeto que é de início
contabilizado: tanto por sessão. O analista é um objeto investido
libidinalmente que se amoeda com o dinheiro. É um objeto de “aluguel”, não
podendo permitir a economia, que é economia de gozo que se representa pelo
dinheiro, e que se expressa pela retenção, que infringe a regra da associação
livre, que é contra qualquer retenção. O gozo do dinheiro é a libidinização do
capital no ser falante.
“Só há uma maneira de fazer
análise: investindo tudo”.
Para Quinet a despesa de dinheiro acompanha a despesa de libido
que é um esvaziamento de gozo, hemorragia inicial de gozo do sintoma
simultaneamente à transferência para o analista. A transferência em análise é
de significante e de capital da libido, gozo.
O analista ao cobrar, o preço da sessão, transforma a
ordem do destino em objeto de troca. Trata o Real pelo Simbólico. Na análise o
sujeito presta conta de seus “crimes”, de sua “verdade”, e paga com dinheiro,
movimentando a dívida simbólica, dívida que o sujeito paga pela entrada no
simbólico renunciando ao gozo.
O preço cobrado tem como função
amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro, que
consiste em dever algo a alguém.
Diz que o analista não está na
análise por amor, por sacrifício ou por ideal, ou para gozar das histórias dos
analisantes. Para além do amor de transferência está o cerne do amor: a questão
“o que sou como objeto para Outro?”, onde o analista é colocado no lugar do
Outro que pode gozar do sujeito ao torná-lo objeto. Fazer o analisante pagar é
o analista mostrar que não se interessa pelo analisante como objeto, e sim como
sujeito, e que pode adquirir outros objetos com o dinheiro pago pelo
analisante.
O dinheiro é o significante mais
aniquilador de significação, contrabalança a responsabilidade do analista que
recebe os segredos do analisante. O dinheiro, como significante, esvazia os
sentidos imaginários.
O analista é depositário das
palavras, letras, “cartas” do analisante, e é constituído como um cofre
precioso, a agalma de Sócrates, que contém males e bens do analisante.
Mas, o analista também paga nos 3 registros:
No Simbólico através da
interpretação. No Imaginário com a sua pessoa, apagando o seu eu. No Real, como
o seu ser, no faz de conta de ser o objeto a, anulando-se como sujeito.
Quinet desenvolve a questão do
dar: o analisante através do amor de transferência demanda amor. Demanda que
precisa ser recusada para que surja o desejo que desliza nos intervalos da
cadeia significante. Lacan afirma que amar é dar o que não se tem. Dar nada?
Não, na questão do dinheiro o analista faz o analisante pagar bem. O analista
como o Outro do amor para quem o analisante endereça a sua demanda se torna
valioso, pois o analisante supõe que ele detém este objeto precioso, a agalma,
objeto causa de desejo. Por este objeto valioso o analisante paga bem.
A prática do contrabando aparece
através da obsessionalização do pagamento. O obsessivo e o seu desejo tenta
driblar o Outro, negociando preço com recibo ou preço sem recibo.
Na análise, diz Quinet, há um
recibo.
Cada analista, através da sua
escuta, sua práxis, sua linha teórica, vai “receber” o dizer do analisante e
irá significá-lo: o sujeito é responsável pelo seu dizer. O que foi dito está
dito! O recibo do analista pode ser uma pontuação, o próprio corte da sessão,
onde ele significa ter recebido o que o analisante depositou. O recibo vem
antes do gesto do pagamento.
Bibliografia
Freud, S. Sobre o início do
tratamento (1913). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.
Miller, Jacques-Alain. Silet: os
paradoxos da pulsão de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.