quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Cadeia significante e outros conceitos

Cadeia significante: o significante é um elemento diferencial último. Enquanto para Saussure o signo é composto por uma unidade de significante e significado, Lacan rompe essa unidade, ligando os significantes uns com os outros. O lugar do significante é sua relação com outros significantes, vinculados numa cadeia significante.
As leis que determinam a combinatória de significantes são as leis da linguagem, através dos processos metafóricos e metonímicos, apresentados por Jakobson. Lacan aproxima os conceitos freudianos de condensação à metáfora e o de deslocamento à metonímia.

A metáfora é constituída por uma substituição significante, acarretando um efeito inesperado de sentido.
Metáfora Paterna: É a simbolização primordial da Lei, efetuada na substituição do significante do desejo da mãe pelo significante Nome-do-Pai. O advento do sujeito implica uma operação inaugural de linguagem, esforço simbólico, onde a criança renuncia ao objeto fálico; sendo que o significante do desejo da mãe é recalcado.
A metonímia alude à relação de contigüidade: barco, vela... De palavra a palavra...
O desejo é a metonímia de uma falta. O objeto perdido insiste em deslizar na cadeia significante, e este deslizamento metonímico vai se constituindo nos intervalos do deslocamento de um significante a outro enganando a censura.

Outro (Autre) é um lugar, onde se organizam elementos significantes que articulam o inconsciente, marcando a determinação simbólica do sujeito (ordem simbólica).
Lacan afirma que o pai é no Outro, o significante que representa o lugar da cadeia significante como Lei.
O outro se refere ao semelhante, ao próximo (a mãe), da relação especular no imaginário.

Em Freud: a realidade divide-se em uma realidade psíquica e uma realidade material/externa, sendo a primeira mais determinante que a segunda. A realidade psíquica é constituída por fantasias e desejos.
Em Lacan pela fórmula da fantasia podemos nos aproximar da realidade de um sujeito. 
Real – escapa à simbolização, fora do sentido (non-sense).

Objeto a
    – objeto perdido devido à divisão do sujeito. Objeto causa do desejo que engendra a “eternização” do desejo pelo deslocamento de um significante a outro significante.
- objeto parcial da pulsão (seio, fezes, olhar e voz), substituindo o objeto da falta.
 - resto caído da concatenação significante
       - gozo, mais-valia é mais-de-gozar para o Outro.


Referências bibliográficas:
Matz, R. O conceito de Identificação em Jacques Lacan (blog Jardim Lacaniano) 
Vallejo e Magalhães. Lacan: operadores de leitura. SP: Perspectiva, 1991

                                                                  

                                                                    

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.
Comentários a partir de Freud e do texto “Capital e libido” de Antonio Quinet.

                                                                                               Rosa Jeni Matz

Aproximei o tema “dinheiro e psicanálise” aos 2 registros lacanianos: Simbólico e Real, detendo-me no registro do Real, pois é onde se encontra a questão do dinheiro, da libido como gozo, e a psicanálise na contemporaneidade.
Para Freud na Metapsicologia a libido é energia, grandeza quantitativa das pulsões.
Quinet parte do conceito de pulsão, constituída pelo significante (representante da representação) e libido. O significante é cifrado no inconsciente, sendo que a libido, parte quantitativa da pulsão, não tem representação no inconsciente. O dinheiro se situa com um pé no ciframento/deciframento (cifra/representação) e outro pé na energia quantificável (libido/satisfação). A pulsão situada como conceito limítrofe entre o somático (Real) e o psíquico (Simbólico).
Millet em seu livro Silet afirma que Lacan fez três reescrituras do conceito freudiano de libido em sua obra. No primeiro momento situou a libido no registro do Imaginário em relação ao narcisismo. No segundo momento fez da libido desejo no registro do Simbólico, conduzindo a equivalência entre desejo e deslizamento metonímico. Na terceira reescritura Lacan dá conta da libido no registro do Real como gozo indo contra o princípio do prazer.
A entrada do sujeito na cultura insere o dinheiro como Simbólico, fazendo-o existir em função da linguagem, como troca de objetos marcados pela simbolização Em Freud o dinheiro faz parte da série de equivalências simbólicas formada pelos objetos marcados pela castração: seio, pênis, excremento, dinheiro, criança, presente, etc.
O dinheiro vinculado ao desejo aponta para a falta, falta a ser, deslizando pelos intervalos da cadeia significante, como metonímia da falta.
Freud em seu trabalho “O início do tratamento” diz que poderosos fatores sexuais acham-se envolvidos no valor dado ao dinheiro pelo analisante. O fator sexual é da ordem da pulsão. Podemos pensar que sendo o sujeito singular, cada um lida com a questão do dinheiro num modo próprio. Freud relacionou dinheiro e fase anal, e Lacan à demanda do Outro, onde a mãe demanda ao filho suas fezes, este podendo reter ou ofertar, ambos num processo de demanda incondicional de amor. O objeto a, as fezes, é um objeto cedível.
Para Quinet o gozo é o conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e satisfação, e o dinheiro no registro do Real aponta a libido como gozo.
O dinheiro na análise se encontra em conjunção entre os significantes da pulsão recalcados e cifrados no inconsciente, e a energia quantificável denominada por Freud de libido. Logo, o dinheiro com um pé no Simbólico e outro no Real.
Os significantes podem equivaler à própria cifra no inconsciente, e o “cifrão” representa o montante das operações libidinais.
O sintoma que pode ser decifrado é da ordem da linguagem, sendo que a libido é o que se satisfaz no sintoma, resistindo ao deciframento e dificultando o abandono do sintoma pelo sujeito.
Quinet questiona: se o sintoma é um cômodo investimento do sujeito por que ele busca a análise?
Pode-se pensar a constituição da demanda para a análise em 3 tempos:
Primeiro tempo: o preço que o sujeito paga pelo seu sintoma é caro, bem elevado! Quando a formação de compromisso do sintoma se rompe, o benefício secundário se desfaz, e o Real surge, superando a satisfação produzida pelo sintoma. O sujeito pode buscar a análise, ou não, pode buscar outros meios para compensar o desequilíbrio, como uma viagem, compras etc.
Segundo tempo: o sujeito quer decifrar o seu sintoma, quer saber de seu sintoma. Há uma questão no seu sintoma que precisa ser decifrada, procurando decifrar a sua posição de assujeitamento ao desejo do Outro que é a alienação. A alienação é o primeiro momento no processo de constituição da subjetividade, sendo que o segundo momento é o da separação.
Situa o sujeito no início da análise nos 3 registros do campo lacaniano:
No Imaginário: amor de transferência – a reciprocidade de amar e ser amado, o analisante “ama” e se sente considerado pelo analista em seu sofrimento.
No Simbólico: é a entrada do sujeito na cadeia significante pela associação livre, o analista sendo o Outro para onde o sujeito endereça, envia seus significantes.
No Real: remanejamento da libido como transferência do gozo, transferência do preço pago com o sintoma para os custos (preço) da análise, esvaziamento do bolso através de privações, sacrifícios etc. O sujeito fabrica um objeto que se chama analista, que se paga para desfrutar. O analista “se vende” como objeto que é de início contabilizado: tanto por sessão. O analista é um objeto investido libidinalmente que se amoeda com o dinheiro. É um objeto de “aluguel”, não podendo permitir a economia, que é economia de gozo que se representa pelo dinheiro, e que se expressa pela retenção, que infringe a regra da associação livre, que é contra qualquer retenção. O gozo do dinheiro é a libidinização do capital no ser falante.
“Só há uma maneira de fazer análise: investindo tudo”.
 Para Quinet a despesa de dinheiro acompanha a despesa de libido que é um esvaziamento de gozo, hemorragia inicial de gozo do sintoma simultaneamente à transferência para o analista. A transferência em análise é de significante e de capital da libido, gozo. 
O analista ao cobrar, o preço da sessão, transforma a ordem do destino em objeto de troca. Trata o Real pelo Simbólico. Na análise o sujeito presta conta de seus “crimes”, de sua “verdade”, e paga com dinheiro, movimentando a dívida simbólica, dívida que o sujeito paga pela entrada no simbólico renunciando ao gozo.
O preço cobrado tem como função amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro, que consiste em dever algo a alguém.
Diz que o analista não está na análise por amor, por sacrifício ou por ideal, ou para gozar das histórias dos analisantes. Para além do amor de transferência está o cerne do amor: a questão “o que sou como objeto para Outro?”, onde o analista é colocado no lugar do Outro que pode gozar do sujeito ao torná-lo objeto. Fazer o analisante pagar é o analista mostrar que não se interessa pelo analisante como objeto, e sim como sujeito, e que pode adquirir outros objetos com o dinheiro pago pelo analisante.
O dinheiro é o significante mais aniquilador de significação, contrabalança a responsabilidade do analista que recebe os segredos do analisante. O dinheiro, como significante, esvazia os sentidos imaginários.
O analista é depositário das palavras, letras, “cartas” do analisante, e é constituído como um cofre precioso, a agalma de Sócrates, que contém males e bens do analisante. Mas, o analista também paga nos 3 registros:
No Simbólico através da interpretação. No Imaginário com a sua pessoa, apagando o seu eu. No Real, como o seu ser, no faz de conta de ser o objeto a, anulando-se como sujeito.
Quinet desenvolve a questão do dar: o analisante através do amor de transferência demanda amor. Demanda que precisa ser recusada para que surja o desejo que desliza nos intervalos da cadeia significante. Lacan afirma que amar é dar o que não se tem. Dar nada? Não, na questão do dinheiro o analista faz o analisante pagar bem. O analista como o Outro do amor para quem o analisante endereça a sua demanda se torna valioso, pois o analisante supõe que ele detém este objeto precioso, a agalma, objeto causa de desejo. Por este objeto valioso o analisante paga bem.
A prática do contrabando aparece através da obsessionalização do pagamento. O obsessivo e o seu desejo tenta driblar o Outro, negociando preço com recibo ou preço sem recibo.
Na análise, diz Quinet, há um recibo.
Cada analista, através da sua escuta, sua práxis, sua linha teórica, vai “receber” o dizer do analisante e irá significá-lo: o sujeito é responsável pelo seu dizer. O que foi dito está dito! O recibo do analista pode ser uma pontuação, o próprio corte da sessão, onde ele significa ter recebido o que o analisante depositou. O recibo vem antes do gesto do pagamento.


Bibliografia

Freud, S. Sobre o início do tratamento (1913). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.
Miller, Jacques-Alain. Silet: os paradoxos da pulsão de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Quinet, Antonio. As 4+1 condições de análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.