Solidão, terror e totalitarismo em
Hannah Arendt
Rosa Jeni Matz
Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo (2012), escrito em 1951, afirma que o totalitarismo difere de todas outras
formas de opressão política. Difere do despotismo, da tirania e da ditadura. O
totalitarismo sempre que galgou o poder criou instituições políticas novas e
destruiu todas as tradições sociais legais e políticas do país.
No despotismo, o poder
é ilimitado e o povo não pode se opor as ideias e ações do governante. Os
únicos beneficiados, muitas vezes, é a própria família do déspota, caracterizando
o nepotismo.
Por sua parte, o poder no absolutismo é
limitado pela lei divina. Isto implicava que os monarcas eram pessoas
religiosas e deviam tentar praticar os ensinamentos divinos no seu governo.
A tirania é,
historicamente, um tipo de governo em que o líder chega ao poder ou continua
na liderança de maneira ilegítima.
Um governo sem leis no qual o poder é exercido por um só homem. O medo surge
como princípio de ação: medo do povo em relação ao governante e o medo do
governante pelo povo. Os primeiros registros de governos tiranos datam do
período arcaico da Grécia Antiga (séculos
VIII A.C. a VI A.C.), sendo que a palavra tirania origina-se do vocábulo
grego týrannos, que significa líder ilegítimo.
A ditadura é
um regime de governo onde o poder está concentrado nas mãos de um indivíduo ou
grupo. Uma ditadura se caracteriza por ter censura, falta de eleições
transparentes e um intenso controle na vida dos cidadãos.
Arendt
diz que o governo totalitário sempre
transformou as classes em massas, substituiu o sistema partidário não por
ditaduras unipartidárias, mas por um movimento de massa, transferiu o poder do
Exército para a polícia e estabeleceu uma política exterior que visava
abertamente o domínio mundial.
O
poder totalitário destruiu, segundo a filosofia política, as definições da
essência dos governos, isto é, a alternativa entre governo legal e ilegal,
poder arbitrário e legítimo, mas não opera sem uma lei, pois afirma obedecer as
leis da Natureza ou da História. Há um rompimento com o consensus iuris que
segundo Cícero constitui um povo, e que como lei internacional tem constituído
o mundo civilizado. Segundo
Cícero o povo é uma reunião de homens associados pelo consentimento do direito
e pela comunidade de interesses. Para Santo Agostinho, na Civitas Dei, o consentimento do direito significa que sem justiça
não pode governar-se e que a justiça é uma virtude que dá a cada um o que é o
seu. O
julgamento moral como a punição legal pressupõe este consentimento básico. O
conceito totalitário dispensa o consensus iuris porque
promete libertar da lei todo ato e desejo humano.
No
totalitarismo todas as leis se tornam leis de movimento. Os nazistas se
referiam à lei da natureza e os
bolchevistas à lei da história.
Estas leis se manifestam no nazismo como leis raciais, como expressão da lei da
natureza, da ideia de Darwin do homem como um produto da evolução natural. Na
crença bolchevista, a luta de classes como expressão da lei da história, a
ideia de Marx da sociedade como produto de um momento histórico que se dirige
para o fim dos tempos históricos, quando então se extinguirá a si mesmo. Hannah
Arendt diz que o movimento da história e o movimento da natureza são um só.
Darwin introduziu o conceito de evolução na natureza, insistiu que o movimento
natural é unilinear, que progride infinitamente, logo a natureza assimilada à
história, sendo que a vida natural deve ser vista como histórica. "A lei
natural da sobrevivência dos mais aptos é tão histórica - e pôde ser usada como
tal pelo racismo - quanto à lei de Marx da sobrevivência da classe mais
progressista". A luta de classes de Marx como força motriz da
história é expressão externa do desenvolvimento de forças produtivas emanadas
da "energia trabalho" dos homens. O trabalho para Marx é uma força
natural-biológica produzida pelo metabolismo do homem com a natureza, e
através dele conserva sua vida individual e reproduz a espécie. Arendt diz que
o termo lei mudou de sentido, deixa de expressar a estrutura de estabilidade
dentro do qual podem ocorrer os atos, ecos de movimentos humanos, para ser a
expressão do próprio movimento.
Na
política totalitária a lei de matar, forma pelo qual os governos totalitários
exercem o poder é uma lei de movimento.
O lugar
da lei no corpo político do governo totalitário é tomado pelo terror total, que se destina a
converter em realidade a lei do movimento da história ou da natureza. O terror
torna-se total quando independe de toda oposição, ninguém barra o seu caminho.
" Se
a legalidade é a essência do governo não tirânico e a ilegalidade é a essência
do tiranismo, o terror é a essência do domínio totalitário".
O terror
é a realização da lei do movimento. O seu objetivo é tornar possível à força da
natureza ou da história propagar-se livremente por toda a humanidade sem o
estorvo de qualquer ação humana espontânea. Esse movimento seleciona os
inimigos da humanidade contra os quais se desencadeia o terror e não pode
permitir que qualquer ação livre de oposição ou de simpatia interfira com a
eliminação do inimigo objetivo da História ou da Natureza, da classe ou da
raça. Culpa e inocência viram conceitos vazios, culpado é quem estorva o
caminho do processo natural ou histórico, como as raças inferiores, classes
agonizantes e povos decadentes. Este julgamento é para ser cumprido, mas neste
tribunal os interessados são inocentes. O terror é a legalidade quando a lei é
a lei do movimento de alguma força sobre-humana da Natureza ou da História. Não
tem como fim o bem-estar humano, elimina os indivíduos pelo bem da espécie,
sacrifica as partes em benefício do todo.
Mas,
Hannah Arendt diz que a força sobre-humana da Natureza ou da História tem o seu
próprio começo e o seu fim, de sorte que só pode ser retardada pelo novo começo
e pelo fim individual que é a vida de cada homem. "A cada nascimento, um
novo começo surge para o mundo, um novo mundo em potencial passa a
existir". A estabilidade das leis corresponde ao constante movimento de
todas as coisas humanas, que não podem cessar enquanto os homens nasçam e
morram. As leis positivas circunscrevem cada novo começo e asseguram a
liberdade de movimento, a potencialidade de algo novo e imprevisível. As leis
positivas são as leis constitucionais e regulam os direitos humanos, garantem a
preexistência de um mundo comum, que transcende a duração individual de
cada geração.
O terror
total muitas vezes, no início, é considerado sintoma de uma tirania, mas não
visa o poder despótico de um homem contra todos. Constrói um cinturão de ferro
que cinge os homens de tal forma, como se a pluralidade se dissolvesse em
Um-Só-Homem de dimensões gigantescas. "Abolir as cercas da lei entre os
homens - como faz a tirania - significa tirar dos homens os seus direitos e
destruir a liberdade como realidade política viva, pois o espaço entre os
homens delimitado pelas leis é o espaço vital da liberdade". O terror
total também destrói o deserto sem cercas e sem lei, deserto da suspeita e do
medo que a tirania deixa atrás de si. Mas, apesar do deserto da tirania não ser
mais espaço vital da liberdade, ainda deixa margem aos movimentos medrosos de
seus habitantes. Já o terror total, essência do regime totalitário, não existe
a favor ou contra os homens. Quer acelerar o movimento das forças da história e
da natureza, que se torna mais forte que as forças engendradas pela ação e pela
vontade do homem. Embora este movimento possa ser retardado pela liberdade do
homem, não pode ser negado nem pelo governante totalitário, a liberdade
equivale ao fato de que os homens nascem e que portanto cada um deles é um novo
começo e em certo sentido o início de um novo mundo. Pelo ponto de vista
totalitário o fato dos homens nascerem e morrerem seria um modo aborrecido de
interferir com forças superiores. Assim, o terror como servo obediente do
movimento natural ou histórico tem de eliminar do processo não apenas a
liberdade em sentido específico, mas a própria fonte de liberdade que está no
nascimento do homem e na sua capacidade de começar de novo. O cinturão de ferro
do terror destrói a pluralidade dos homens e faz todos Um, que age como fazendo
parte desta corrente da história e da natureza, isto é, o terror executa as
sentenças de morte que a Natureza pronunciou contra aquelas raças, indivíduos
indignos de viver, ou que a História decretou contra as classes agonizantes. O
movimento se torna a essência do próprio regime.
Hannah Arendt afirma que a
ideologia é literalmente a lógica de uma ideia. O seu objeto de estudo é a
história, à qual a ideia é aplicada, sendo um processo que está em constante
mudança. Diz que a ideologia não se interessa pelo milagre do ser. As
ideologias são históricas, interessadas no vir a ser e no morrer, na ascensão e
queda das culturas. A ideia de uma ideologia não é a essência de Platão, nem o
princípio regulador da razão de Kant, mas um instrumento de explicação a partir
de uma única premissa. As ideologias pressupõem que uma ideia pode explicar
tudo, onde a liberdade humana de pensar fica aprisionada. As ideologias não
transformam a realidade, e sim afastam o pensamento da experiência, arrumando
os fatos por um processo lógico que se inicia por uma premissa aceita como
axioma, tudo sendo deduzido a partir dela, gerando o seu movimento, e a
emancipação da realidade e da experiência. Não há dialética de tese, antítese e
síntese. A premissa inicial engloba e atinge todos os campos da realidade.
O movimento totalitário afasta o pensamento da experiência e da
realidade, buscando através da propaganda injetar um significado secreto em
cada evento público e farejar intenções secretas atrás de cada ato político
público. O conceito de inimizade é substituído pelo conceito de conspiração,
incutindo uma mentalidade no indivíduo que o afasta de seu pensar próprio,
afastando o pensamento da experiência.
Os governantes totalitários, ideólogos como Hitler e Stalin,
transformaram as suas ideologias em armas para que que cada um dos governados
entrassem em harmonia com o movimento do terror que engolia os "indignos
de viver", os "incapazes".
A força do processo lógico
deduzido do totalitarismo se apodera das massas para a realização dos seus
objetivos ideológicos: massa, uma sociedade sem classes (luta de classes, lei
da história) ou uma raça dominante (luta de raças, lei da natureza).
A tirania da lógica, compulsão interna do totalitarismo, começa com a
submissão da mente à lógica como processo sem fim, no qual o homem elabora seus
pensamentos. Através dessa submissão ele renuncia tanto à sua liberdade
interior de pensar, liberdade como a capacidade interior do homem de começar,
como à liberdade política, que equivale a um espaço que permite o movimento
entre os homens. O governo totalitário impedindo o pensar individual ignora o
nascimento e a morte.
A compulsão do terror total, com o seu cinturão de ferro comprime as
massas de homens isolados umas contra as outras e lhe dá apoio num mundo que
para elas se tornou deserto, sendo que a força autocoercetiva da dedução lógica
prepara cada indivíduo em seu isolamento solitário contra
todos os outros que se retroalimentam.
O terror arruína as relações entre os homens, e a auto-compulsão do
pensamento ideológico destrói toda a relação com a realidade.
Hannah Arendt diz que o preparo do movimento totalitário triunfa quando
as pessoas perdem o contato com os seus semelhantes e com a realidade, perdendo
assim a capacidade de sentir e pensar.
"O súdito ideal do governo totalitário...é aquele para quem já não
existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência)
e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do
pensamento).
Arendt questiona qual tipo de experiência básica na vida em comum,
que inspira uma forma de governo cuja a essência é o terror e cujo princípio de
ação é a lógica do pensamento ideológico. Afirma que esta forma de domínio
político, mistura do terror com a lógica totalitária, nunca foi utilizada
anteriormente, e acentua que este corpo político foi planejado por homens, e
que responde à necessidade humanas. O terror só pode reinar absolutamente sobre
homens que se isolam uns contra os outros, e um governo tirânico quer provocar
este isolamento. O isolamento pode ser o começo do terror,
é o seu solo mais fértil e sempre decorre dele. É um isolamento pré-totalitário,
sua característica é a impotência, pois a força somente surge do trabalho em
conjunto, sendo os homens isolados impotentes por definição. O isolamento e a
impotência, que é a incapacidade básica de agir, são características da
tirania.
Os contatos políticos entre os homens
são cortados no governo tirânico e as capacidades humanas de ação e poder são
frustradas. Mas nem todos os contatos entre os homens são interrompidos e nem
todas as capacidades humanas são destruídas na tirania. Toda a esfera da vida
privada, junto com a capacidade de sentir, de inventar, e pensar permanece
intacta.
Já no totalitarismo o terror total,
seu cinturão de ferro, elimina o espaço para essa vida privada e a autocoerção
da lógica totalitária destrói a capacidade humana de sentir e pensar como a
capacidade de agir.
Arendt afirma que o que chama
de isolamento na esfera política é chamado de solidão na
esfera dos contatos sociais. Isolamento e solidão não são a mesma coisa.
Pode-se estar isolado, numa situação em que não se possa agir, pois não há
ninguém para interagir, sem que se esteja solitário como numa situação de
abandono. O isolamento é um impasse quando a esfera política da vida dos
homens, seus interesses em comum, é destruída. Mas o isolamento embora destrua
a capacidade e o poder de agir deixa intactas as atividades produtivas do
homem, sendo também em alguns momentos necessário. O homo faber tende a se isolar pelo seu trabalho, deixando
temporariamente o terreno da política. A fabricação, a poiesis, o
ato de fazer coisas que se distingue da ação, da praxis, e do
mero trabalho acontece quando o homem se isola dos interesses comuns. No
isolamento o homem permanece em contato com o mundo como obra humana, mas
somente quando se destrói a forma mais elementar da criatividade humana, que é
a capacidade de acrescentar algo de si mesmo ao mundo ao redor, o isolamento se
torna insuportável. Isso pode acontecer num mundo ditado só pelo trabalho, onde
permanece o esforço do homem de se manter vivo e desaparece a relação com o
mundo como criação humana.
Quando o homem isolado perdeu o seu
lugar no terreno político de ação e também é abandonado pelo mundo das coisas,
quando já não é reconhecido como homo faber, mas é tratado
como animal laborans cujo necessário "metabolismo com a
natureza" não é do interesse de ninguém, o isolamento se torna solidão. A
escravatura na Antiguidade dominada por tirania provocou homens solitários e
não apenas isolados, tendendo a ser totalitária.
Enquanto o isolamento se refere
apenas ao terreno político da vida, a solidão se refere à vida humana como um
todo. O governo totalitário, como todas as tiranias, não poderia existir sem
destruir a esfera da vida pública, sem destruir pelo isolamento as suas
capacidades políticas. Mas, a inovação do domínio totalitário é que ele não se
contenta com esse isolamento e destrói a vida privada. "Baseia-se na
solidão, na experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais
radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter".
A solidão, o fundamento para o terror, é a essência do governo totalitário. Para a ideologia e a lógica, a
preparação de seus carrascos e vítimas, têm íntima ligação com o
desarraigamento e a superfluidade que atormentavam as massas modernas desde a
Revolução industrial e também com o colapso das instituições políticas e
tradições sociais. Não ter raízes significa não ter no mundo um lugar
reconhecido e garantido pelos outros, ser supérfluo significa não pertencer ao
mundo de forma alguma. O desarraigamento pode ser a condição preliminar da
superfluidade, tal como o isolamento pode ("mas não deve") ser a
condição preliminar da solidão.
Em sua essência a solidão é contrária
às necessidades básicas da condição humana. Até a experiência do mundo depende
do nosso contato com outros homens, do nosso senso comum que regula nossos
sentidos, sem o qual cada um de nós ficaria enclausurado em sua própria
particularidade de dados sensoriais, que são traiçoeiros e indignos de fé.
Somente porque a Terra é habitada por homens no plural que podemos confiar em
nossa experiência sensorial imediata.
Solidão não é estar só. Quem está
desacompanhado está só, enquanto a solidão se manifesta mais nitidamente na
companhia de outras pessoas. Quando se está só se está consigo mesmo, em
companhia do seu próprio eu, se é dois em um, enquanto na solidão se é apenas
um, abandonado por todos os outros. Todo ato de pensar é feito quando se está a
sós, e constitui um diálogo entre eu e o eu mesmo, e este diálogo de dois em um
não perde contato com o mundo dos semelhantes, que estão representados no eu,
onde se estabelece o diálogo do pensamento. Mas, dois em um necessita de outros
para que volte a seu um, um indivíduo imutável cuja a identidade não pode ser
confundida com a de qualquer outro.
Viver a sós pode levar à solidão,
quando o próprio eu desaparece.
O que torna a solidão insuportável é
a perda do próprio eu, onde se perde a confiança em si mesmo como parceiro de
seus pensamentos e perde a confiança elementar do mundo, das experiências. O eu
e o mundo, a capacidade de pensar e de sentir, perdem-se ao mesmo tempo.
Arendt diz que a única capacidade do
espírito humano que não precisa do eu, nem dos outros, nem do mundo para
funcionar, que independe do pensamento e da experiência, é a capacidade do
raciocínio lógico cuja a premissa é evidente por si mesmo. Na solidão absoluta
2 e 2 são quatro. É a única "verdade" segura quando os seres humanos
perdem a garantia mútua, senso comum de que necessitam para viver, de sentir e
encontrar seu caminho no mundo. Mas essa "verdade" é vazia e nem
chega a ser verdade, uma vez que nada revela. A verdade não pode ser definida
como coerência como fazem alguns lógicos modernos. Na solidão a evidência passa
a produzir as linhas de "pensamento". Como disse Lutero o homem
solitário sempre deduz uma coisa da outra, e sempre pensa o pior de tudo. O
extremismo dos movimentos totalitários não é o radicalismo, mas consiste em
"pensar o pior", num processo dedutivo que leva às piores conclusões
possíveis.
O que prepara os homens para o
domínio totalitário no mundo não totalitário é o fato que a solidão, já sofrida
em situações marginais como a velhice, passa a ser experiência diária de massas
cada vez maiores. "O impiedoso processo no qual o totalitarismo engolfa e
organiza as massas é uma fuga suicida dessa realidade. O "raciocínio frio
como o gelo" e o "poderoso tentáculo" parecem ser o último apoio
num mundo onde ninguém merece confiança e onde não se pode contar com coisa
alguma. É a coerção interna cujo único conteúdo é a rigorosa evitação de
contradições, que parece confirmar a identidade de um homem independentemente
de todo relacionamento com os outros. Ele é preso no cinturão de ferro do
terror mesmo quando ele está sozinho. Destruindo todo os espaços entre os
homens e pressionando-os uns contra os outros, destrói-se até mesmo o potencial
produtivo do isolamento, ensinando e glorificando o raciocínio lógico da
solidão, onde o homem estará completamente perdido se deixar fugir a primeira
premissa que inicia este processo. Comparado a tirania é encontrado um meio de
imprimir movimento ao próprio deserto, um meio de desencadear uma tempestade de
areia que pode cobrir todas as partes de um mundo habitado.
Hoje, o terreno da política é
ameaçado por estas devastadoras tempestades de areia.
Mas, não se estabelece um mundo
permanente. O domínio totalitário como a tirania traz o germe de sua própria
destruição. Como o medo e a impotência que vêm do medo são princípios
antipolíticos e levam os homens a uma situação contrária à ação política,
também a solidão e a dedução do pior (por meio da lógica ideológica que advém
da solidão) representam uma situação antissocial que contêm um princípio que
pode destruir toda forma de vida humana em comum. A solidão organizada é mais
perigosa que a impotência organizada pelo governo tirânico de um só homem. É o
seu perigo que ameaça devastar o mundo que conhecemos, um mundo que parece ter
chegado ao fim, antes que um novo começo surgisse desse fim, e que tenha tido
tempo de firmar-se.
Arendt diz que a crise de nosso tempo
deu origem a esta nova forma de governo que tende a permanecer. Mas, permanece
também a verdade que todo fim na história constitui um novo começo, sendo esse
começo a promessa, a única "mensagem" que o fim pode produzir.
"O começo, antes de tornar-se
evento histórico, é a suprema capacidade do homem; politicamente equivale à
liberdade do homem".
Cita Agostinho que diz que "o
homem foi criado para que houvesse um começo".
Cada novo nascimento garante o
começo.
Bibliografia
Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.