Desejo
do analista
Rosa Jeni Matz
Ao pensar sobre o
tratamento dispensado por um analista, associo com o que Lacan denomina de
desejo do analista. A psicanálise “se engaja na falta central em que o sujeito
se experimenta como desejo”. Penso que a psicanálise, enquanto práxis, busca
tratar o real pelo simbólico, e como Lacan diz “... que ele encontre mais ou
menos imaginário tem aqui valor apenas secundário”. O desejo do analista, não é
o desejo pessoal de um psicanalista, mas sim, é o “de obter a diferença
absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante
primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a
ele”. Seria a produção de S1.
O analista não está na posição de sujeito (sujeito suposto saber), é desalojado
do lugar do Outro, para ocupar o lugar de objeto. É chamado a encarnar o
objeto a, promovido ao lugar de semblante, objeto causa de desejo. Como
objeto a, causa de desejo, não é significante, surgindo às custas dele :
“É por isto que o analista pode perfeitamente encarná-lo, uma vez despojado do
saber”. E, se “o analista é desalojado do lugar do Outro para vir ocupar o do
objeto causa do desejo, não está mais presente no campo do Outro; está aí na
medida em que falta e faz semblante do objeto”.
O ato psicanalítico de Freud
se inicia dando a palavra poder absoluto ao relacioná-la com a regra
fundamental, “dizer tudo”. A regra fundamental e seu corolário, a escuta
(atenção livremente flutuante) implicam que o analista se deixe surpreender
(não é mais sujeito suposto saber). Lacan questiona qual é na análise a função
da palavra. E afirma: “A palavra é essa roda de moinho por onde incessantemente
o desejo humano se mediatiza, entrando no sistema da linguagem”. Na análise
trata-se de desfazer, inicialmente, as “amarras da palavra“. É, através da
palavra, que o desejo humano é integrado no plano simbólico. “É somente quando
ele se formula, se nomeia diante do outro, que o desejo, seja ele qual for, é
reconhecido no sentido pleno do termo”. A palavra deve ser encarnada na própria
história do sujeito. O analista busca trazer à consciência aquilo que foi
recalcado. O desejo do analista é amor ao inconsciente? O termo amor não é bem adequado, mas o
analista se dedica ao inconsciente. Ele não é um mestre. Um dos obstáculos a
evitar é de encarnar o pai ideal. Lacan recusa a identificação com o analista.
O analista não pode ocupar o lugar de ideal de ego, nem de eu ideal. Como diz Lacan: “O pai almejado pelo
neurótico é também um pai que fosse perfeitamente o senhor de seu desejo“.
A interpretação,
que poderíamos denominar de ferramenta analítica, não está aberta a todos os
sentidos, nem todas as interpretações são possíveis, ela busca fazer surgir um
significante irredutível, feito de não-senso. Como diz Lacan é essencial que o
sujeito veja além da significação, além do significado, “a qual significante –
não-senso, irredutível, traumático – ele está como sujeito, assujeitado”. A Interpretação
não é hermenêutica.
A transferência
seria a encenação, através da experiência analítica, da realidade do
inconsciente. Lacan a considera efeito do dispositivo da cura. Seria uma
atualização do recalcado, afastando qualquer associação com a identificação. A
transferência se relaciona com o engano, quando surge como amor, pois se refere
inconscientemente a um objeto que reflete outro (Sócrates expressa a Alcebíades
que o seu verdadeiro objeto de desejo não é ele, mas Agatão - Banquete). Pode
aí ser considerada um fechamento do inconsciente.
E a
contratransferência? Serge Cottet, seguindo Lacan, a coloca como um desvio,
implicando confusão de funções e pessoas. Para Lacan “a contratransferência
nada mais é do que a função do ego do analista“, o que chamou de “a soma dos
preconceitos do analista”. Seria a “ortopedia do ego”. O sucesso das teorias do
ego nos Estados Unidos conduz a análise para uma relação dual, levando Lacan a
enfatizar o simbólico na cura, a fim de destruir a ilusão de reciprocidade (dual
e imaginária) “da comunicação entre inconscientes e da contratransferência“,
que leva a desvios, como a identificação do analista com o paciente,
escamoteando a sua responsabilidade. Se o analista tem como critério fortalecer
o eu, a dominação do eu sobre as pulsões, isto implica um ideal de perfeição
que o próprio analista tenha adquirido, o que leva Lacan a criticar a afirmação
de Balint que define a cura como a identificação com o analista. Seria a
análise como adaptação, amadurecimento, o american way of life. Assim o
narcisismo do analista constitui uma resistência na abordagem do seu desejo,
pois quer formar sujeitos à sua imagem.
Durante este
período surge uma outra imagem do analista que tem sentimentos em relação ao
seu paciente, trata-se dos efeitos produzidos pelo analista em seus pacientes.
A pessoa do analista intervém na interpretação, justificando pela análise do
analista bem longa (Margaret Little). Já Paula Heimann, avaliava o quê o
paciente ativa no analista, a contratransferência se relaciona com o que o
analista experimenta.
Lacan critica a
ação do psicanalista que carece do simbólico. Cottet cita que “foi essa
carência significante que provocou o sucesso da contratransferência, e não a
consideração dos “afetos do analista“. Numa carta de Freud a Biswanger
(1913), referindo–se a
contratransferência, Freud afirma o seguinte : “Está entre os mais complicados
problemas técnicos da psicanálise. Teoricamente, considero-a mais facilmente
solucionável. O que se dá ao paciente jamais deve ser afeto imediato, mas afeto
concedido conscientemente – e isto mais ou menos segundo as necessidades do
momento. Em certas circunstâncias pode-se dar muito, porém jamais o extraindo
do seu próprio inconsciente. Esta seria para mim a fórmula. É preciso então reconhecer
a cada vez sua própria contratransferência, e superá-la; só então se pode estar
livre. Dar muito pouco a alguém, por amá-lo muito, é uma injustiça para com o
paciente, e um erro técnico. Tudo isto não é fácil, e talvez seja necessário
também ser mais velho para tal”.
O que é um
analista? Esta não é a questão, pois o caminho do analista é o des-ser. A
questão é a do desejo do analista. O seu percurso é o de abandonar o seu ser, o
seu saber, para a posição de um semblante do objeto a. Seria o fim do
analista “sujeito” com Lacan. Agora, na medida que todo analista repete o ato
de Freud, como diz Serge Cottet, “sem qualquer outra garantia de ser analista
salvo pela transmissão de seu desejo...”, penso que seus ensinamentos não devem
ser esquecidos, daí ter trazido, nesta fala, Lacan, que faz uma releitura de
Freud, trazendo inovações, que foram também distorcidas por alguns dos seus
discípulos, que transformaram o seu discurso em dogma. Assim por gratidão a
Freud, penso que devemos relê-lo, hoje, no último ano do século XX, para que a
sua mensagem, o seu desejo, do que deseja um analista não seja
Bibliografia
Cottet, Serge, Freud
e o desejo do psicanalista. RJ: Jorge Zahar, 1993.
Lacan, J. Os
escritos técnicos de Freud. RJ: Zahar Editores, 1979.
Lacan, J.Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise. RJ: Jorge Zahar, 1988.
Que prazer me deparar com seu texto. Sempre inspirador.
ResponderExcluirMonica,obrigada.
ResponderExcluir