sexta-feira, 4 de abril de 2014

Não ceder sobre o seu desejo (“ne pas céder sur son désir”).

Não ceder sobre o seu desejo (“ne pas céder sur son désir”).
                                                                         Rosa Jeni Matz

No último capítulo do Seminário 7, A ética da psicanálise, Lacan desenvolve o aforismo “não ceder sobre o seu desejo”. Em resumo é não cobrir a falta do desejo pelo gozo, não ceder o desejo ao gozo, não permitir o gozo cobrir (sobre) o desejo. O gozo instrumentado pelo perverso, ou algo ou alguém que goza do sujeito, gozo do Outro.
Encontramos na tradução brasileira: “ceder de seu desejo” (lugar, posição, do desejo), p. 382.
Para Lacan ceder sobre o desejo é acompanhada no destino do sujeito por uma traição. Ou o sujeito se trai, trai o seu caminho, ou alguém a quem se dedicou o trai, logo alguém goza dele, rompe o pacto. O sujeito cede sobre o que deseja, renuncia a sua perspectiva de vida.
Lacan comenta que a ética de Aristóteles seria uma ética do mundo dos bens, diferente da ética da psicanálise que permite o surgimento do sujeito. Como Freud formulou: “Wo es war, soll Ich werden”, e que Lacan traduz como “Là où est le ça, il faut que le je advienne” (o Eu deve advir lá onde isso estava). A ética da psicanálise se situaria no simbólico, da Lei, da responsabilidade do sujeito com a sua fala, em torno do advir do sujeito, que atende à “lei”: “Ne céder pas sur son désir”.
Lacan também formula: “A única coisa da qual se pode ser culpado é de ter cedido de seu desejo”. (p.385)
Aproxima Lei, desejo e culpa. A noção de desejo está associada à Lei. A Lei, interditora do incesto, da castração, barra o desejo incestuoso, onde o objeto se torna para sempre perdido.
Lacan diz que quando o sujeito apresenta culpa é que na raiz cede sobre o seu desejo. Podemos pensar que ele abre mão do seu desejo, daquilo que seria a metonímia do seu ser, a sua essência, em busca do gozo, se desculpa, se acovarda, por “um bom motivo”, em nome de um bem, ou bens do outro. Para Lacan o desejo suporta o tema inconsciente, a raiz de um destino particular, onde a dívida simbólica precisa ser paga.
Em Freud a culpa é resultado da censura que o superego impõe ao ego. Já em Lacan a lei do supergo é perversa: Goze! Vc. deve gozar!. Lacan situa a culpa em outra via, a via da lei e do desejo, da ética do sujeito responsável pelo seu desejo, pela sua fala, pela linguagem; e onde ele é culpado ao ceder sobre a questão do seu desejo. É a responsabilidade do caminho que cada um traça em sua vida, a singularidade do sujeito.
Como diz Lacan sobre a tragédia, e também sobre Antígona: “...o acesso ao desejo necessita ultrapassar não apenas todo temor, mas toda piedade, que a voz do herói não treme diante de nada, e muito especialmente diante do bem do outro...”
“Mesmo para aquele que avança ao extremo de seu desejo, nem tudo são flores”.
É isso aí!

Referência bibliográfica:
Lacan, J. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Ed, 1991.

                                                                        

                                                                                    

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