segunda-feira, 6 de maio de 2013

Hannah Arendt: a liberdade como raison d’être da política


Hannah Arendt: a liberdade como raison d’être da política.

Hannah Arendt em A condição humana[1] apresenta a ação como a atividade humana fundamental da vita activa, correspondente à condição humana da pluralidade, condição específica de toda vida política. Agir é iniciar, começar algo novo, imprevisível. A ação e o discurso são modos pelos quais os homens se manifestam uns aos outros, e se inserem no mundo. A ação, como início, é a efetivação da condição humana da natalidade, sendo que o discurso efetiva a condição humana da pluralidade, possibilitando a singularidade na pluralidade. Na ação e no discurso os homens surgem como quem são.
Na obra Entre o passado e o futuro[2], Hannah Arendt levanta a questão: “Que é a liberdade?”[3], pergunta de difícil compreensão. Afirma que Kant liberta a liberdade do duplo domínio da causalidade: a causalidade da motivação interna, campo da percepção interior, e do princípio causal que rege o mundo exterior, distinguindo uma razão teórica ou pura de uma razão prática, que apresenta como centro uma vontade livre: “o agente dotado de livre-arbítrio, que é na prática importantíssimo, jamais aparece no mundo fenomênico, quer no mundo exterior dos cinco sentidos, quer no campo da percepção interior mediante a qual eu percebo a mim mesmo”[4]. Mas, assinala que a tradição filosófica distorceu a idéia de liberdade, ao transpô-la do campo original da Política e dos problemas humanos gerais para o domínio da vontade. Dos filósofos pré-socráticos até Plotino, não há preocupação com a questão da liberdade, aparecendo pela primeira vez, através da experiência de conversão religiosa, inicialmente de Paulo, e depois de Santo Agostinho. Na Antigüidade grega e romana a liberdade era um conceito exclusivo da política, e se tornou um dos problemas principais da Filosofia, ao ser vivenciada como algo no relacionamento entre mim e mim mesmo, fora do relacionamento entre os homens. A liberdade tornou-se sinônimo de livre-arbítrio, sendo a sua presença vivenciada em solidão.
Para Hannah Arendt ao falarmos da liberdade precisamos ter em mente o problema da política e o fato de o homem ser dotado com o dom da ação, duas potencialidades contidas na relação com a liberdade. A liberdade é a razão de ser (raison d’être) da política, e o seu domínio de experiência é a ação. A liberdade política é o oposto da liberdade interior, que é um espaço íntimo onde os homens fogem da coerção externa, e sentem-se livres. Este sentir interior não se manifesta externamente, logo é sem significação política, a liberdade interior foi o efeito de uma retirada do mundo onde a liberdade foi negada. Este espaço interior não deve ser confundido com o coração ou a mente, que existem em relação com o mundo. A interioridade, como espaço de absoluta liberdade, foi descoberta na Antigüidade tardia por aqueles que não ocupavam lugar próprio no mundo, que careciam de uma condição mundana. Antes de se tornar um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade, a liberdade era compreendida como um estado do homem livre, que o tornava capaz de se mover, de sair para o mundo a fim de se encontrar com outros homens pelas palavras e ações. “Essa liberdade era precedida da liberação: para ser livre, o homem deve ter-se libertado das necessidades da vida”[5]. Mas, além da liberação, a liberdade necessitava da companhia de outros homens num mesmo estado, de um espaço público comum, um mundo politicamente organizado. Os filósofos começaram a se interessar pelo problema da liberdade quando ela não era mais vivida no agir e na associação com outros homens, mas no querer e no relacionamento com o próprio eu, quando se tornou livre-arbítrio. Devido ao desvio da ação para a força de vontade, torna-se soberania, independência dos outros e até prevalência sobre os mesmos. A identificação da liberdade com soberania conduz à negação da liberdade humana.
Ao pensar a palavra “agir”, Hannah Arendt diz que o termo grego árkhein abarca o começar, o conduzir, o governar, qualidades do homem livre, logo a liberdade era vivenciada na espontaneidade. Cita Santo Agostinho: “Para Santo Agostinho Deus criou o homem para introduzir a faculdade de começar: a liberdade”[6]. O homem é livre, pois o seu surgimento no mundo é equacionado ao aparecimento da liberdade no universo. O homem é livre ao ser um começo, e pode começar.
A liberdade, enquanto relacionada à política, não é considerada por Hannah Arendt como um fenômeno da vontade, mas sim da ação. Considera o milagre como a interrupção de uma série de acontecimentos, de um automatismo, pelo inesperado, sendo que os homens o realiza: “– homens que, por terem recebido o dúplice dom da liberdade e da ação, podem estabelecer uma realidade que lhes pertence de direito”[7].
Hannah Arendt alerta sobre a soberania, onde a vontade se torna poder, tornando-se um ideal de livre arbítrio, onde o individual egoísta e narcísico se torna dominante.

Notas
[1] Arendt H.. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
[2] Arendt H.. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.
[3] Ibid., p. 188
[4] Ibid., p. 190
[5] Ibid., p.194
[6] Ibid., p. 216
[7] Ibid., p.220


Referências bibliográficas
Arendt H.. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
Arendt H.. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.



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