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sábado, 11 de agosto de 2018

Ética contemporânea


Ética contemporânea

Desenvolvo abaixo em poucas linhas o raciocínio que parte do texto de Freud sobre o masoquismo; algumas palavras sobre a ética em Freud e Lacan; e a argumentação lógica de Lacan sobre as fórmulas da sexuação, que chega ao axioma A mulher não existe, axioma que parte de uma lógica simbólica. Chego à conclusão de que a Ética não existe, mas podemos considerar éticas no plural atualmente.

Em O problema econômico do masoquismo (1924) Freud afirma:
“O complexo de Édipo mostra assim ser – como já foi conjecturado num sentido histórico– a fonte de nosso senso ético individual, de nossa moralidade. O curso do desenvolvimento da infância conduz a um desligamento sempre crescente dos pais e a significação pessoal desses para o superego retrocede para o segundo plano. Às imagos que deixam lá atrás estão, pois, vinculadas as influências de professores e autoridades, modelos auto escolhidos e heróis publicamente reconhecidos, cujas figuras não mais precisam ser introjetadas por um ego que se tornou resistente (grifo meu).
A primeira renúncia instintual é forçada por poderes externos, e somente isso cria o senso ético, que se expressa na consciência e exige uma ulterior renúncia ao instinto.”

Em Totem e Tabu, mito da horda primeva, Freud elabora a fundação da cultura através do ato criminoso do assassinato do pai da horda, e do devoramento deste pai despótico pelos filhos. No lugar de uma lei tirânica, onipotente do pai, surge um acordo entre os irmãos culpados, criando-se a lei simbólica, à qual todos estão assujeitados. Esta lei se refere ao pai morto, constituindo a dívida simbólica. Portanto, a lei e o desejo se enlaçam num liame trágico. O desejo incestuoso é barrado pela lei, tornando-se falta, falta a ser. O desejo é o movimento de busca de reencontro do objeto perdido, mas como o objeto é para sempre perdido, o encontro é faltoso. A lei estrutura o desejo humano, impedindo a realização do incesto. A ética do desejo é uma ética de responsabilidade, implicando que o sujeito não ceda de seu desejo frente ao gozo, desejo que o humaniza, o essencializa, tornando-o humano, protegendo-o do gozo, que seria um excesso, ultrapassagem da barreira da lei.
Nas fórmulas da sexuação, Lacan afirma que todos os homens estão submetidos à função fálica, à castração; existindo ao menos um homem que não obedece à função fálica já que é exceção à castração. Assim, podemos falar de um conjunto universal a propósito dos homens. Lacan também significa o mito da horda primitiva de Freud.
Já no modo de inscrição das mulheres na fórmula da sexuação nenhuma delas expressa a universalidade. Não todas as mulheres estão inscritas na função fálica, como também não existe uma mulher no lugar da exceção à castração. Assim as mulheres não constituem um conjunto universal sob a perspectiva fálica. Não existe uma expressão geral lógica para legitimar a mulher. Assim Lacan conclui que “a mulher não existe”.
Hoje devido à queda do Simbólico, do lugar da lei como exceção, que em Freud é internalizada pelo sujeito, fornecendo o senso ético, podemos afirmar que “a Ética não existe”, pois a lei é o lugar da exceção, e este conjunto universal que fornece a consistência ao sistema está em declínio na contemporaneidade.
A ética em Lacan é uma ética do bem-dizer, de escutar do inconsciente a palavra plena, constituindo o sujeito do desejo e da enunciação. Vivemos um momento de fake news. Das mortes traumáticas como irrupção do Real da pulsão de morte que não são esclarecidas, como também de fatos traumáticos, de verdades veladas, emergem mentiras que tentam como compulsão de gozo cobrir o real. 
Mas, será assim mesmo? A ética não existe?
Vivemos no tempo da Ética não existe, mas éticas existem (no plural). Mundo de pequenas leis, de grupos com desejos singulares. Cada grupo organiza o que é permitido, o que é proibido, o limite de cada membro. As éticas não se cruzam, não se encontram. A Ética não existe!


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A função fraterna na infância e na adolescência em momentos de violência

A função fraterna na infância e na adolescência em momentos de violência
                                                                                      Rosa Jeni Matz

Este trabalho parte de um filme A viagem de Fanny sobre um fato real ocorrido na Segunda Guerra Mundial, que mostra como um grupo de crianças responde à violência da guerra, e pretende fazer um contraste entre as respostas das crianças e adolescentes na contemporaneidade.
Filme: A viagem de Fanny – Le Voyage de Fanny
Fanny (Léonie Souchaud) tem 12 anos, é judia, e se esconde numa casa de acolhimento distante de seus pais junto com as duas irmãs mais novas durante a Segunda Guerra Mundial. Forçada a fugir rapidamente do esconderijo devido a invasão nazista, torna-se líder de um grupo de crianças, que viajam num caminho perigoso pela França ocupada para a Suíça. De início, as crianças são acompanhadas de uma senhora, mas devido às pressões e de imprevistos da ocupação nazista, o grupo prossegue a viagem sem a presença de um adulto, tendo que Fanny se tornar a guia deste percurso, e prematuramente escolher, decidir, cuidar, proteger.
Apesar da tensão devido o perigo da guerra as crianças são crianças.  As crianças menores fantasiam os nazistas como “monstros”, todas brincam com alegria e espontaneidade num riacho e numa cabana que se tornam palcos de fantasias, e através do brincar transformam o ambiente hostil em ambiente alegre e criativo. Alguns habitantes da região, em diferentes ocasiões, as auxiliam na fuga, retratando o valor da solidariedade e da amizade.
Questões: é possível pensar o exercício da função fraterna sem a sustentação da função paterna? Como encontrar vias para lidar com a queda do simbólico, da função fraterna, no momento atual?
O filme aborda a função paterna e a função fraterna. Neste momento de guerra e violência Fanny sustenta uma função paterna, que possibilita uma organização fraterna.
Joel Dor, em seu livro “O pai e sua função em psicanálise” (1) afirma que “a noção de pai intervém no campo conceitual da psicanálise como um operador simbólico a-histórico” (2). Mas, ao ficar fora da história, ele está “paradoxalmente inscrito no ponto de origem de toda história” (3), uma história mítica, mito necessário e universal. A noção de pai em psicanálise também não se refere “exclusivamente à existência de algum pai encarnado” (4), nada garante que a encarnação corresponda à consistência de um pai investido de legítimo poder estruturante do inconsciente. Não se trata de um ser encarnado, mas de “uma entidade essencialmente simbólica que ordena uma função” (5). Pela sua característica universal, o seu caráter é operante e estruturante, para qualquer sexo que a ele se refere. É Lei universal, é Linguagem. Sendo este pai simbólico universal, somos tocados pela sua função, que nos estrutura como “sujeitos”. Questiona: Sob que insígnias se alojam os pais encarnados, os pais que empiricamente são colocados em situação de se designarem pais? Responde: aparecem no máximo como diplomatas, e embaixadores comuns. O embaixador representa o seu governo junto ao estrangeiro, e o pai, “no real de sua encarnação” (6), deve representar o governo do pai simbólico, assumindo a delegação desta autoridade junto à “comunidade estrangeira mãe-filho” (7).
Em termos da carência paterna, pode-se afirmar que “a função paterna conserva a sua virtude simbólica inauguralmente estruturante na própria ausência de todo Pai real” (8). A função do Pai simbólico é exterior ao Pai real, sendo a função simbólica, a pedra angular da problemática paterna na psicanálise.
No texto Os complexos familiares na formação do indivíduo, de 1938, Lacan apresenta dois complexos fundamentais que se apresentam no início da vida psíquica da criança. De início, o complexo do desmame, o mais primitivo do desenvolvimento psíquico, representando a forma primordial da imago materna (representação inconsciente mental), que fixa a relação de amamentação no psiquismo e suas derivações.
O segundo complexo é o complexo de intrusão que representa a experiência que a criança realiza quando se reconhece entre irmãos. As condições dessa experiência são variáveis conforme as culturas, extensão do grupo familiar, e conforme o lugar que o acaso confere ao sujeito na ordem de nascimento: a de abastado ou a de usurpador. O ciúme (jalousie) infantil é observado neste período, e Lacan se remete à citação de Santo Agostinho: “Vi com meus próprios olhos, e observei bem um menino tomado de ciúme: ele ainda não falava, mas não conseguia desviar os olhos, sem empalidecer, do amargo espetáculo de seu irmão de leite” (Confissões, I, VII). A estrutura do ciúme infantil esclarece seu papel na gênese da sociabilidade, e do conhecimento humano. O ciúme representa não uma rivalidade vital, mas uma identificação mental. Em crianças entre seis meses e dois anos, confrontados aos pares e sem terceiros, há uma comunicação, que parece reações de rivalidade, como adaptações de posturas e gestos, ocorrendo conformidade em sua alternância, como provocações e respostas, onde se esboça o reconhecimento de um rival, de um “outro” como objeto. Essa reação, que pode parecer precoce, é determinada por uma condição dominante, um limite que não pode ser ultrapassado na distância etária entre os sujeitos, distância de dois meses e meio no primeiro ano do período considerado, e permanece estrito ao se ampliar. As reações mais frequentes são as da exibição, da sedução e do despotismo. O que se observa não é um conflito entre dois indivíduos, mas um conflito entre duas atitudes opostas e complementares. Cada parceiro confunde a pátria do outro com a sua e se identifica com o outro. Nesse estágio a identificação específica é baseada num sentimento do outro como imaginário. A imagem do outro aí está ligada à estrutura do corpo próprio.
Na situação fraterna primitiva a agressividade se mostra secundária à identificação. A amamentação é para a criança uma neutralização temporária das condições de luta pelo alimento, opondo-se Lacan à ideia darwiniana de que a luta está na origem da vida. O aparecimento do ciúme relacionado com a amamentação, apresentado pela citação de Santo Agostinho, dever ser interpretado prudentemente, pois esta cena pode se apresentar ao sujeito desmamado há muito tempo que não concorre com o irmão, sendo que este fenômeno exige uma identificação com o estado do irmão. Em outros trabalhos, Lacan se refere a esta cena como uma imagem de completude, onde o sujeito que a observa se vê excluído, uma visão totalizante, imaginária, onde o sujeito já esteve neste lugar. A agressividade se sustenta então numa identificação com o outro que é objeto da violência (a agressividade não é primária, é secundária).
Podemos encontrar expressão de agressividade em diversas cenas sociais. Esta identificação onde uma criança se percebe usurpada por outra criança abastada, e excluída desta imagem completa, acontece a todo momento em nossa sociedade através da luta de classes. Uma criança sem recursos econômicos, que olha através de uma vitrine de brinquedos o outro abastado de posse com o brinquedo que quer possuir, revive a todo momento em outras situações esta cena de completude imaginária.
O eu se constitui junto com o outro no drama do ciúme. A introdução de um terceiro irá substituir a confusão afetiva e a ambiguidade pela concorrência de uma situação triangular. O sujeito que enveredou pelo ciúme por identificação, desemboca numa nova alternativa onde é jogado o seu destino. Ou ele reencontra o objeto materno e se prende à recusa do real e à destruição do outro, ou é levado a algum outro objeto, acolhe-o sob a forma de conhecimento humano, como objeto comunicável. A concorrência implica em rivalidade ou concordância, sendo que aí é possível reconhecer o outro com quem trava a luta e firmar o contrato. O ciúme humano se distingue da rivalidade vital imediata, revelando-se o arquétipo dos sentimentos sociais.
Os traços essenciais do complexo fraterno são: o papel traumatizante do irmão que se constitui por intrusão, o fato e a época do seu aparecimento determinam a sua significação para o sujeito, a intrusão parte do recém-chegado e infesta o ocupante, sendo que o primogênito desempenha em princípio o papel de paciente. A reação do paciente ao trauma depende do seu desenvolvimento psíquico. Surpreendido pelo intruso no desarvoramento (desorientação) do desmame, o paciente o reativa sem parar ante o espetáculo deste, faz uma regressão, que de acordo com os destinos do eu, pode se revelar uma psicose esquizofrênica ou uma neurose hipocondríaca, ou então, reage pela destruição imaginária do monstro, resultando em impulsos perversos ou numa culpa obsessiva.
Mas, se o intruso sobrevier apenas após o complexo de Édipo, será adotado no plano das identificações parentais, não sendo para o sujeito obstáculo ou o reflexo, mas uma pessoa digna de amor e de ódio. As pulsões agressivas se sublimarão como ternura ou severidade.
O irmão também pode proporcionar o modelo arcaico do eu. O papel do agente cabe aqui ao primogênito, e quanto mais conforme for este modelo ao conjunto das pulsões do sujeito, mais feliz será a síntese do eu. É através do semelhante que o objeto, como também o eu se realiza, quanto mais pode assimilar de seu parceiro, melhor será a sua eficácia futura. Mas, também, o grupo de fratria familiar pode favorecer as mais discordantes identificações do eu. A paranoia manifesta temas de filiação, usurpação e espoliação, sendo que através da estrutura narcísica, temas paranoides de intrusão, do duplo, e transformações delirantes do corpo são revelados. O grupo familiar, reduzido à mãe e a fratria, desenha um complexo psíquico em que a realidade é imaginária, possibilitando eclosões de psicoses, de delírio a dois. Assim, torna-se essencial a introdução do terceiro para a constituição do sujeito em suas relações sociais.
Podemos pensar a função fraterna em termos de identificações imaginárias, horizontais, sustentada pela função paterna, eixo vertical, de identificações simbólicas.
 As “tribos” na atualidade se organizam por relações horizontais, sendo grupos formados por afinidades. Se hoje há uma queda da função paterna, há também queda da função fraterna. Estamos num mundo narcísico onde o Outro não tem lugar. O ódio situado por Lacan no eixo formado pelo imaginário e real se apresenta a céu aberto. O ódio que é a resposta afetiva primeira do sujeito por ele ser cortado pela Linguagem, afeto efeito de estrutura, torna-se como diz Lebrun em gozo do ódio atualmente.
Estamos vivendo o que Freud relata em Totem e Tabu, o momento da horda primitiva, do pai tirânico, usurpador, de gozo interminável. Momento atual aquém ou após o complexo de Édipo? Estamos no caos político e social. Não há espaço simbólico para que nossas crianças, principalmente as que habitam as áreas de maior violência em nossa cidade, se organizem em grupos e frequentem as escolas. Lacan, em seu derradeiro ensino, considerou o simbólico uma confusão, muitas línguas, e várias dificuldades em apreender o real, tendo como consequência a queda do simbólico na atualidade. Hoje estacionamos no narcisismo, numa situação especular e espetacular sem saída. Os grupos se formam em situações narcísicas onde as rivalidades, situações de bullyng refletem a dificuldade na saída do complexo de intrusão apresentado por Lacan. E sem direção do Outro. Algumas crianças e jovens conseguem ir nesta direção. Algumas delas viveram ou vivem num lar onde havia ou há a mediação de um terceiro. Mais ainda, através de uma instituição que represente este lugar simbólico, crianças e jovens conseguem fazer sinthoma, um quarto nó que se acrescenta ao nó borromeano dos três registros, imaginário, simbólico e real, e a partir daí desenvolvem uma suplência simbólica. Mas, e as crianças abandonadas? Crianças de rua, que vivem a céu aberto? Nós, psicanalistas, precisamos estar atentos ao gozo desenfreado que cobre o espaço com balas perdidas, consumo, tóxicos e outros objetos a, que só apresentam a face de gozo. Onde está a face causa do desejo?

Fanny, em sua viagem de coragem para a liberdade, liberdade em relação com a Lei, Linguagem, conseguiu conduzir às crianças e atravessar à fronteira, sustentada pelas funções paterna e fraterna. Mas, se atualmente há o esvaziamento do simbólico, podemos então elucubrar sobre esta questão que Lacan nos deixa em seus últimos seminários, que é “imaginar o real”. Esta questão nos traz um fato clínico: a inibição. A inibição é a imisção do imaginário no real. Estamos neste momento social inibidos.
As crianças podem nos trazer as respostas...

Notas:
1-Dor, J., O pai e sua função em psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
2-Ibid.p.13
3-Ibid.p.13
4-Ibid.p.13
5-Ibid.p.14
6-Ibid.p.14
7-Ibid. p.14
8-Ibid.p.18

Referência bibliográficas
Dor, J. O pai em sua função em psicanálise. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997.
Freud. Totem e Tabu. Standard Edition. RJ: Imago Ed, vol XIII.
Kehl org. Função fraterna. RJ: Relume Dumará, 2000.
Miller, J-A. Perspectivas do Seminário 23 de Lacan. RJ: Jorge Zahar Ed., 2009.
Lacan, J. Os complexos familiares. RJ: Jorge Zahar Ed., 1985.
Lebrun, J-P. O futuro do ódio. Porto Alegre:CMC Ed., 2008.
Filme: Le Voyage de Fanny
           Direção: Lola Doillo    -  Nacionalidade: França

Filme baseado na história real de Fanny Bem-Ami contada em sua autobiografia Le Journal de Fanny.  

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Cadeia significante e outros conceitos

Cadeia significante: o significante é um elemento diferencial último. Enquanto para Saussure o signo é composto por uma unidade de significante e significado, Lacan rompe essa unidade, ligando os significantes uns com os outros. O lugar do significante é sua relação com outros significantes, vinculados numa cadeia significante.
As leis que determinam a combinatória de significantes são as leis da linguagem, através dos processos metafóricos e metonímicos, apresentados por Jakobson. Lacan aproxima os conceitos freudianos de condensação à metáfora e o de deslocamento à metonímia.

A metáfora é constituída por uma substituição significante, acarretando um efeito inesperado de sentido.
Metáfora Paterna: É a simbolização primordial da Lei, efetuada na substituição do significante do desejo da mãe pelo significante Nome-do-Pai. O advento do sujeito implica uma operação inaugural de linguagem, esforço simbólico, onde a criança renuncia ao objeto fálico; sendo que o significante do desejo da mãe é recalcado.
A metonímia alude à relação de contigüidade: barco, vela... De palavra a palavra...
O desejo é a metonímia de uma falta. O objeto perdido insiste em deslizar na cadeia significante, e este deslizamento metonímico vai se constituindo nos intervalos do deslocamento de um significante a outro enganando a censura.

Outro (Autre) é um lugar, onde se organizam elementos significantes que articulam o inconsciente, marcando a determinação simbólica do sujeito (ordem simbólica).
Lacan afirma que o pai é no Outro, o significante que representa o lugar da cadeia significante como Lei.
O outro se refere ao semelhante, ao próximo (a mãe), da relação especular no imaginário.

Em Freud: a realidade divide-se em uma realidade psíquica e uma realidade material/externa, sendo a primeira mais determinante que a segunda. A realidade psíquica é constituída por fantasias e desejos.
Em Lacan pela fórmula da fantasia podemos nos aproximar da realidade de um sujeito. 
Real – escapa à simbolização, fora do sentido (non-sense).

Objeto a
    – objeto perdido devido à divisão do sujeito. Objeto causa do desejo que engendra a “eternização” do desejo pelo deslocamento de um significante a outro significante.
- objeto parcial da pulsão (seio, fezes, olhar e voz), substituindo o objeto da falta.
 - resto caído da concatenação significante
       - gozo, mais-valia é mais-de-gozar para o Outro.


Referências bibliográficas:
Matz, R. O conceito de Identificação em Jacques Lacan (blog Jardim Lacaniano) 
Vallejo e Magalhães. Lacan: operadores de leitura. SP: Perspectiva, 1991

                                                                  

                                                                    

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.
Comentários a partir de Freud e do texto “Capital e libido” de Antonio Quinet.

                                                                                               Rosa Jeni Matz

Aproximei o tema “dinheiro e psicanálise” aos 2 registros lacanianos: Simbólico e Real, detendo-me no registro do Real, pois é onde se encontra a questão do dinheiro, da libido como gozo, e a psicanálise na contemporaneidade.
Para Freud na Metapsicologia a libido é energia, grandeza quantitativa das pulsões.
Quinet parte do conceito de pulsão, constituída pelo significante (representante da representação) e libido. O significante é cifrado no inconsciente, sendo que a libido, parte quantitativa da pulsão, não tem representação no inconsciente. O dinheiro se situa com um pé no ciframento/deciframento (cifra/representação) e outro pé na energia quantificável (libido/satisfação). A pulsão situada como conceito limítrofe entre o somático (Real) e o psíquico (Simbólico).
Millet em seu livro Silet afirma que Lacan fez três reescrituras do conceito freudiano de libido em sua obra. No primeiro momento situou a libido no registro do Imaginário em relação ao narcisismo. No segundo momento fez da libido desejo no registro do Simbólico, conduzindo a equivalência entre desejo e deslizamento metonímico. Na terceira reescritura Lacan dá conta da libido no registro do Real como gozo indo contra o princípio do prazer.
A entrada do sujeito na cultura insere o dinheiro como Simbólico, fazendo-o existir em função da linguagem, como troca de objetos marcados pela simbolização Em Freud o dinheiro faz parte da série de equivalências simbólicas formada pelos objetos marcados pela castração: seio, pênis, excremento, dinheiro, criança, presente, etc.
O dinheiro vinculado ao desejo aponta para a falta, falta a ser, deslizando pelos intervalos da cadeia significante, como metonímia da falta.
Freud em seu trabalho “O início do tratamento” diz que poderosos fatores sexuais acham-se envolvidos no valor dado ao dinheiro pelo analisante. O fator sexual é da ordem da pulsão. Podemos pensar que sendo o sujeito singular, cada um lida com a questão do dinheiro num modo próprio. Freud relacionou dinheiro e fase anal, e Lacan à demanda do Outro, onde a mãe demanda ao filho suas fezes, este podendo reter ou ofertar, ambos num processo de demanda incondicional de amor. O objeto a, as fezes, é um objeto cedível.
Para Quinet o gozo é o conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e satisfação, e o dinheiro no registro do Real aponta a libido como gozo.
O dinheiro na análise se encontra em conjunção entre os significantes da pulsão recalcados e cifrados no inconsciente, e a energia quantificável denominada por Freud de libido. Logo, o dinheiro com um pé no Simbólico e outro no Real.
Os significantes podem equivaler à própria cifra no inconsciente, e o “cifrão” representa o montante das operações libidinais.
O sintoma que pode ser decifrado é da ordem da linguagem, sendo que a libido é o que se satisfaz no sintoma, resistindo ao deciframento e dificultando o abandono do sintoma pelo sujeito.
Quinet questiona: se o sintoma é um cômodo investimento do sujeito por que ele busca a análise?
Pode-se pensar a constituição da demanda para a análise em 3 tempos:
Primeiro tempo: o preço que o sujeito paga pelo seu sintoma é caro, bem elevado! Quando a formação de compromisso do sintoma se rompe, o benefício secundário se desfaz, e o Real surge, superando a satisfação produzida pelo sintoma. O sujeito pode buscar a análise, ou não, pode buscar outros meios para compensar o desequilíbrio, como uma viagem, compras etc.
Segundo tempo: o sujeito quer decifrar o seu sintoma, quer saber de seu sintoma. Há uma questão no seu sintoma que precisa ser decifrada, procurando decifrar a sua posição de assujeitamento ao desejo do Outro que é a alienação. A alienação é o primeiro momento no processo de constituição da subjetividade, sendo que o segundo momento é o da separação.
Situa o sujeito no início da análise nos 3 registros do campo lacaniano:
No Imaginário: amor de transferência – a reciprocidade de amar e ser amado, o analisante “ama” e se sente considerado pelo analista em seu sofrimento.
No Simbólico: é a entrada do sujeito na cadeia significante pela associação livre, o analista sendo o Outro para onde o sujeito endereça, envia seus significantes.
No Real: remanejamento da libido como transferência do gozo, transferência do preço pago com o sintoma para os custos (preço) da análise, esvaziamento do bolso através de privações, sacrifícios etc. O sujeito fabrica um objeto que se chama analista, que se paga para desfrutar. O analista “se vende” como objeto que é de início contabilizado: tanto por sessão. O analista é um objeto investido libidinalmente que se amoeda com o dinheiro. É um objeto de “aluguel”, não podendo permitir a economia, que é economia de gozo que se representa pelo dinheiro, e que se expressa pela retenção, que infringe a regra da associação livre, que é contra qualquer retenção. O gozo do dinheiro é a libidinização do capital no ser falante.
“Só há uma maneira de fazer análise: investindo tudo”.
 Para Quinet a despesa de dinheiro acompanha a despesa de libido que é um esvaziamento de gozo, hemorragia inicial de gozo do sintoma simultaneamente à transferência para o analista. A transferência em análise é de significante e de capital da libido, gozo. 
O analista ao cobrar, o preço da sessão, transforma a ordem do destino em objeto de troca. Trata o Real pelo Simbólico. Na análise o sujeito presta conta de seus “crimes”, de sua “verdade”, e paga com dinheiro, movimentando a dívida simbólica, dívida que o sujeito paga pela entrada no simbólico renunciando ao gozo.
O preço cobrado tem como função amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro, que consiste em dever algo a alguém.
Diz que o analista não está na análise por amor, por sacrifício ou por ideal, ou para gozar das histórias dos analisantes. Para além do amor de transferência está o cerne do amor: a questão “o que sou como objeto para Outro?”, onde o analista é colocado no lugar do Outro que pode gozar do sujeito ao torná-lo objeto. Fazer o analisante pagar é o analista mostrar que não se interessa pelo analisante como objeto, e sim como sujeito, e que pode adquirir outros objetos com o dinheiro pago pelo analisante.
O dinheiro é o significante mais aniquilador de significação, contrabalança a responsabilidade do analista que recebe os segredos do analisante. O dinheiro, como significante, esvazia os sentidos imaginários.
O analista é depositário das palavras, letras, “cartas” do analisante, e é constituído como um cofre precioso, a agalma de Sócrates, que contém males e bens do analisante. Mas, o analista também paga nos 3 registros:
No Simbólico através da interpretação. No Imaginário com a sua pessoa, apagando o seu eu. No Real, como o seu ser, no faz de conta de ser o objeto a, anulando-se como sujeito.
Quinet desenvolve a questão do dar: o analisante através do amor de transferência demanda amor. Demanda que precisa ser recusada para que surja o desejo que desliza nos intervalos da cadeia significante. Lacan afirma que amar é dar o que não se tem. Dar nada? Não, na questão do dinheiro o analista faz o analisante pagar bem. O analista como o Outro do amor para quem o analisante endereça a sua demanda se torna valioso, pois o analisante supõe que ele detém este objeto precioso, a agalma, objeto causa de desejo. Por este objeto valioso o analisante paga bem.
A prática do contrabando aparece através da obsessionalização do pagamento. O obsessivo e o seu desejo tenta driblar o Outro, negociando preço com recibo ou preço sem recibo.
Na análise, diz Quinet, há um recibo.
Cada analista, através da sua escuta, sua práxis, sua linha teórica, vai “receber” o dizer do analisante e irá significá-lo: o sujeito é responsável pelo seu dizer. O que foi dito está dito! O recibo do analista pode ser uma pontuação, o próprio corte da sessão, onde ele significa ter recebido o que o analisante depositou. O recibo vem antes do gesto do pagamento.


Bibliografia

Freud, S. Sobre o início do tratamento (1913). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.
Miller, Jacques-Alain. Silet: os paradoxos da pulsão de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Quinet, Antonio. As 4+1 condições de análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.



sexta-feira, 4 de abril de 2014

A ética do desejo

A ética do desejo
                                  Rosa Jeni Matz

            A ética em psicanálise traz a questão da responsabilidade do sujeito pelo seu desejo.

        Em Totem e Tabu, mito da horda primeva, Freud elabora a fundação da cultura através do ato criminoso do assassinato do pai da horda, e do devoramento deste pai despótico pelos filhos. No lugar de uma lei tirânica, onipotente do pai, surge um acordo entre os irmãos culpados, criando-se a lei simbólica, à qual todos estão assujeitados. Esta lei se refere ao pai morto, constituindo a dívida simbólica. Portanto, a lei e o desejo se enlaçam num liame trágico. O desejo incestuoso é barrado pela lei, tornando-se falta, falta a ser. O desejo é o movimento de busca de reencontro do objeto perdido, mas como o objeto é para sempre perdido, o encontro é faltoso. A lei estrutura o desejo humano, impedindo a realização do incesto. A ética do desejo é uma ética de responsabilidade, implicando que o sujeito não ceda de seu desejo frente ao gozo, desejo que o humaniza, o essencializa, tornando-o humano, protegendo-o do gozo, que seria um excesso, ultrapassagem da barreira da lei.

        Enquanto que para Aristóteles a eudaimonia poderia ser atingida pelo conhecimento do Bem, para a psicanálise este Bem (das Ding) se perdeu. A felicidade (bonheur) seria uma questão de sorte, numa boa hora o sujeito pode ter um bom encontro com o real. Mas, o sujeito teve um trágico encontro com o real. O trauma é este trágico encontro, encontro marcado.
        A sublimação seria a possibilidade que a civilização oferece de manifestação de alguma coisa diferente da sintomatologia do mal-estar. Das Ding, a Coisa, nunca é possuída ou representada, é sempre perdida e repetida em nossas vidas. Lacan define a sublimação como “a elevação de um objeto à dignidade da Coisa”. A sublimação não representa essa Coisa perdida, ela recria o vazio (vide) deixado por essa perda, estruturalmente irrepresentável para o sujeito. Mediante a recriação a perda do objeto descobriria outro destino diferente da angústia, da neurose.


 Bibliografia
 França, M.I. Psicanálise, estética e ética do desejo. São Paulo: Perspectiva, 1997.
 Lacan, J. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar, 1988.
 Rajchman, J. Eros e verdade: Lacan, Foucault e a questão da ética. RJ: Jorge Zahar, 1993.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Ela - filme her/dela/sua

Ela -her -filme
her (em letra minúscula), filme dirigido por Spike Jonze.

A tradução do título não é Ela, que seria em inglês She, sujeito, mas sim sua, dela.

Theodore escreve cartas para outras pessoas. Triste com o final de um casamento, ele se conecta com um novo e avançado sistema operacional, onde conhece "Samantha", uma voz feminina que lhe desperta desejo e por ela se apaixona. É um filme sobre o gozo, objeto a, voz, de Lacan. No processo de constituição do sujeito ocorre uma perda, resultado do encontro do sujeito e do Autre (Outro). Esta perda é o objeto a, face de desejo e face de gozo. A voz é um objeto a, como o seio, as fezes e o olhar. Uma pinta, um estrabismo, um modo de cruzar as pernas, podem despertar o desejo de um homem. E por que não uma voz? Neste filme a voz, embora numa inteligência artificial, é real. Quais as fronteiras atuais entre o real e o virtual? Também a escrita de Theodore é efeito de sua voz, de sua fala. Desperta desejo daquele que lê a sua escrita/carta (lettre). É um filme sobre o homem, a linguagem e o gozo, sem corpo, incorpóreo. É possível se apaixonar por uma voz, por uma pinta, por um olhar... E a voz também como qualquer objeto se perde. No final o ombro, outro objeto, é o suporte dela, her, “amiga” dele. Grande filme do presente futuro!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pulsão em Lacan

Pulsão em Lacan
                                                                             Rosa Jeni Matz

Lacan com Freud diz que a pulsão é o conceito limite entre o psíquico e o somático, entre o simbólico e o real. A pulsão é representada no inconsciente pelos significantes, estruturado como uma linguagem, significantes que indicam as demandas do sujeito ao Outro, e as demandas do Outro ao sujeito, pelos modos de pulsão oral, anal... A pulsão é um mito, pois ao mitificar o real, narra a relação do sujeito com o objeto perdido. O significante ao barrar a necessidade produz a pulsão, que é o resultado da operação do significante sobre a necessidade, caindo um resto, algo que escapa, o desejo. No registro simbólico da pulsão, o sujeito dividido se encontra em conexão e disjunção com a demanda do Outro. No real o sujeito se torna seu objeto, é acéfalo, percorrendo o trajeto de ida e volta em torno do objeto.
Fórmula da pulsão: $◊D
O neurótico (sujeito barrado) identifica a falta do Outro com a demanda do Outro (D).
Em Posição do inconsciente, Congresso de Bonneval, texto dos Escritos de 1960/1964, Lacan afirma: “...o significante como tal, barrando por intenção primeira o sujeito, nele faz penetrar o sentido da morte.” A morte, como significante, da linguagem, simbólica, entra na “vida”, e vice-versa. Não há dualismo, a meu ver potência e ato. E, prossegue: “Por isso é que toda pulsão é virtualmente pulsão de morte”. Lacan quer dizer que o significante, a palavra mata a Coisa (Mãe como lugar do gozo incestuoso). O significante Nome-do Pai barra o gozo, a relação incestuosa mãe-criança, e a Coisa barrada dá origem ao objeto a, objeto perdido, causa do desejo, resto de gozo. E a atividade, denominada pulsão (trieb), tenta restaurar esta perda original, contornando o objeto.
A pulsão é uma montagem, surrealista, unindo o Outro e a sexualidade. Lacan segue Freud ao distinguir os 4 termos da pulsão: impulso (Drang), fonte (Quelle), objeto (Objekt) e alvo (Ziel). A Quelle é a zona erógena na pulsão. A atividade da pulsão, o seu circuito, se concentra no se fazer, como na pulsão escópica se fazer ver: uma flecha que contorna o objeto olhar e volta para o sujeito. A pulsão contorna um furo, velado pelas “imagens” da história do sujeito. Na pulsão, a estrutura de borda dada à zona erógena é assegurada pelo contorno que a pulsão faz em torno do objeto a.
Lacan cita o mito da lamela (lâmina), desenvolvido no Congresso de Bonneval e no seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Ao romper as membranas do ovo (óvulo), de onde sai o feto, algo se volatiza, que é a lâmina, algo extrachato como uma ameba, e tem relação com o quê o ser sexuado perde na sexualidade, que se torna imortal. Este órgão é a libido, que é “puro instinto de vida” (pur instinct de vie), vida imortal. Observem que Lacan fala de “instinto de vida” e não pulsão de vida. É o que é subtraído ao ser vivo por ele se submeter ao ciclo da reprodução sexuada, sendo os objetos as suas figurações: seio, fezes, olhar e voz. A pulsão é parcial, envolve as zonas erógenas que são parciais. Toda pulsão é uma pulsão de morte, inexiste outra pulsão.
Se a pulsão no Seminário 11 aponta para uma ficção, em seu último ensino, no seminário 23, O sinthoma, Lacan indica que a pulsão é uma "fixão", a fixação do gozo do significante no corpo do sujeito:”...as pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer". Prossegue: "é preciso que haja alguma coisa no significante que ressoe", e que para que esse dizer ressoe, "é preciso que o corpo lhe seja sensível". Neste último ensino, a pulsão de morte é o real pensado como impossível, “o fato de a morte não pode ser pensada é o fundamento do real”.

Bibliografia:
Lacan, J. Escritos. Seminários 11 e 23. RJ: Jorge Zahar Ed.
Quinet, A. A descoberta do inconsciente. RJ: Jorge Zahar Ed., 2000.
Brousse, Marie-Hélène. A pulsão I e II, in Para ler o seminário 11 de Lacan, org. Feldstein e outros. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997.




                                                                                         

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Terra Firme - filme

Terra Firme, do diretor italiano Emanuele Crialese, filme franco-italiano.

                                                                                         Rosa Jeni Matz

Sempre gostei de filmes italianos embora não os tenha assistido muito atualmente. Gosto deles, pois mostram os costumes e a língua greco-romana, que também nos aproxima. E, além disso, a dimensão do trágico/do desejo/do gozo na vida e na morte está presente em sua cultura.
A ética é o fio condutor do filme. Lembrou-me a Antígona de Lacan, que luta pela lei dos deuses contra a lei da cidade de Creonte (seminário 7, a ética da psicanálise).
O avô de Filippo é a Antígona do filme, que segue a lei do seu desejo, de pescador, de nunca abandonar um ser humano no mar. A polícia, lei da cidade, confisca o seu barco, o impedindo de pescar, pois salvou alguns africanos em seu barco, ação proibida por lei, inclusive uma mulher grávida e seu filho que esconde em sua casa para não serem deportados. O avô, quase morre pelo seu desejo, ao salvá-los da morte no mar, dimensão trágica de Antígona.
A mãe de Filippo faz o parto, salvando mãe e filha, esta resultado de violência e abuso sexual sofrido pela mãe.
O jovem Filippo, ao se aproximar do sexo no mar, encontra a angústia. Surgem do mar, avançando em sua direção, africanos sedentos de braços amigos (terra firme). Não sabendo como lidar, Filippo não permite que entrem no barco, agindo com violência sobre as mãos dos africanos. Enquanto as mãos de sua mãe dão vida a uma menina africana, surgindo a bela frase no filme dita pela africana à mãe de Fillipo, mais ou menos assim: “minha filha para de chorar, pois sente o cheiro de suas mãos, que foram as primeiras em sua vida”. Já Filippo não consegue dar as mãos aos africanos. Um jovem esmagado pela angústia entre a demanda do avô e a demanda da polícia. Em tempo posterior, resolve esta angústia pelo ato. Traz para si a responsabilidade.
A ilha de Lampedusa está aí. Milhares de negros que lutam pela imigração, frutos da pobreza. Não podemos fechar os olhos. Todos nós somos responsáveis. Tudo isso é triste e vergonhoso!
O filme trata da dignidade humana.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Desejo do analista


                                                              Desejo do analista
                                                                       
                                                               Rosa Jeni Matz

Ao pensar sobre o tratamento dispensado por um analista, associo com o que Lacan denomina de desejo do analista. A psicanálise “se engaja na falta central em que o sujeito se experimenta como desejo”. Penso que a psicanálise, enquanto práxis, busca tratar o real pelo simbólico, e como Lacan diz “... que ele encontre mais ou menos imaginário tem aqui valor apenas secundário”. O desejo do analista, não é o desejo pessoal de um psicanalista, mas sim, é o “de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele”. Seria a produção de S1. O analista não está na posição de sujeito (sujeito suposto saber), é desalojado do lugar do  Outro, para ocupar  o lugar de objeto. É chamado a encarnar o objeto a, promovido ao lugar de semblante, objeto causa de desejo. Como objeto a, causa de desejo, não é significante, surgindo às custas dele : “É por isto que o analista pode perfeitamente encarná-lo, uma vez despojado do saber”. E, se “o analista é desalojado do lugar do Outro para vir ocupar o do objeto causa do desejo, não está mais presente no campo do Outro; está aí na medida em que falta e faz semblante do objeto”.
                 O ato psicanalítico de Freud se inicia dando a palavra poder absoluto ao relacioná-la com a regra fundamental, “dizer tudo”. A regra fundamental e seu corolário, a escuta (atenção livremente flutuante) implicam que o analista se deixe surpreender (não é mais sujeito suposto saber). Lacan questiona qual é na análise a função da palavra. E afirma: “A palavra é essa roda de moinho por onde incessantemente o desejo humano se mediatiza, entrando no sistema da linguagem”. Na análise trata-se de desfazer, inicialmente, as “amarras da palavra“. É, através da palavra, que o desejo humano é integrado no plano simbólico. “É somente quando ele se formula, se nomeia diante do outro, que o desejo, seja ele qual for, é reconhecido no sentido pleno do termo”. A palavra deve ser encarnada na própria história do sujeito. O analista busca trazer à consciência aquilo que foi recalcado. O desejo do analista é amor ao inconsciente?  O termo amor não é bem adequado, mas o analista se dedica ao inconsciente. Ele não é um mestre. Um dos obstáculos a evitar é de encarnar o pai ideal. Lacan recusa a identificação com o analista. O analista não pode ocupar o lugar de ideal de ego, nem de eu ideal.  Como diz Lacan: “O pai almejado pelo neurótico é também um pai que fosse perfeitamente o senhor de seu desejo“.
A interpretação, que poderíamos denominar de ferramenta analítica, não está aberta a todos os sentidos, nem todas as interpretações são possíveis, ela busca fazer surgir um significante irredutível, feito de não-senso. Como diz Lacan é essencial que o sujeito veja além da significação, além do significado, “a qual significante – não-senso, irredutível, traumático – ele está como sujeito, assujeitado”. A Interpretação não é hermenêutica.
A transferência seria a encenação, através da experiência analítica, da realidade do inconsciente. Lacan a considera efeito do dispositivo da cura. Seria uma atualização do recalcado, afastando qualquer associação com a identificação. A transferência se relaciona com o engano, quando surge como amor, pois se refere inconscientemente a um objeto que reflete outro (Sócrates expressa a Alcebíades que o seu verdadeiro objeto de desejo não é ele, mas Agatão - Banquete). Pode aí ser considerada um fechamento do inconsciente.
E a contratransferência? Serge Cottet, seguindo Lacan, a coloca como um desvio, implicando confusão de funções e pessoas. Para Lacan “a contratransferência nada mais é do que a função do ego do analista“, o que chamou de “a soma dos preconceitos do analista”. Seria a “ortopedia do ego”. O sucesso das teorias do ego nos Estados Unidos conduz a análise para uma relação dual, levando Lacan a enfatizar o simbólico na cura, a fim de destruir a ilusão de reciprocidade (dual e imaginária) “da comunicação entre inconscientes e da contratransferência“, que leva a desvios, como a identificação do analista com o paciente, escamoteando a sua responsabilidade. Se o analista tem como critério fortalecer o eu, a dominação do eu sobre as pulsões, isto implica um ideal de perfeição que o próprio analista tenha adquirido, o que leva Lacan a criticar a afirmação de Balint que define a cura como a identificação com o analista. Seria a análise como adaptação, amadurecimento, o american way of life. Assim o narcisismo do analista constitui uma resistência na abordagem do seu desejo, pois quer formar sujeitos à sua imagem.
Durante este período surge uma outra imagem do analista que tem sentimentos em relação ao seu paciente, trata-se dos efeitos produzidos pelo analista em seus pacientes. A pessoa do analista intervém na interpretação, justificando pela análise do analista bem longa (Margaret Little). Já Paula Heimann, avaliava o quê o paciente ativa no analista, a contratransferência se relaciona com o que o analista experimenta.
Lacan critica a ação do psicanalista que carece do simbólico. Cottet cita que “foi essa carência significante que provocou o sucesso da contratransferência, e não a consideração dos “afetos do analista“. Numa carta de Freud a Biswanger (1913),  referindo–se a contratransferência, Freud afirma o seguinte : “Está entre os mais complicados problemas técnicos da psicanálise. Teoricamente, considero-a mais facilmente solucionável. O que se dá ao paciente jamais deve ser afeto imediato, mas afeto concedido conscientemente – e isto mais ou menos segundo as necessidades do momento. Em certas circunstâncias pode-se dar muito, porém jamais o extraindo do seu próprio inconsciente. Esta seria para mim a fórmula. É preciso então reconhecer a cada vez sua própria contratransferência, e superá-la; só então se pode estar livre. Dar muito pouco a alguém, por amá-lo muito, é uma injustiça para com o paciente, e um erro técnico. Tudo isto não é fácil, e talvez seja necessário também ser mais velho para tal”.
O que é um analista? Esta não é a questão, pois o caminho do analista é o des-ser. A questão é a do desejo do analista. O seu percurso é o de abandonar o seu ser, o seu saber, para a posição de um semblante do objeto a. Seria o fim do analista “sujeito” com Lacan. Agora, na medida que todo analista repete o ato de Freud, como diz Serge Cottet, “sem qualquer outra garantia de ser analista salvo pela transmissão de seu desejo...”, penso que seus ensinamentos não devem ser esquecidos, daí ter trazido, nesta fala, Lacan, que faz uma releitura de Freud, trazendo inovações, que foram também distorcidas por alguns dos seus discípulos, que transformaram o seu discurso em dogma. Assim por gratidão a Freud, penso que devemos relê-lo, hoje, no último ano do século XX, para que a sua mensagem, o seu desejo, do que deseja um analista não seja 

Bibliografia
Cottet, Serge, Freud e o desejo do psicanalista. RJ: Jorge Zahar, 1993.
Lacan, J. Os escritos técnicos de Freud. RJ: Zahar Editores, 1979.
                        Lacan, J.Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: Jorge Zahar, 1988.