Pulsão em Lacan
Rosa Jeni Matz
Lacan com Freud diz que a pulsão é o conceito limite entre
o psíquico e o somático, entre o simbólico e o real. A pulsão é representada no
inconsciente pelos significantes, estruturado como uma linguagem, significantes
que indicam as demandas do sujeito ao Outro, e as demandas do Outro ao sujeito,
pelos modos de pulsão oral, anal... A pulsão é um mito, pois ao mitificar o
real, narra a relação do sujeito com o objeto perdido. O significante ao barrar
a necessidade produz a pulsão, que é o resultado da operação do significante
sobre a necessidade, caindo um resto, algo que escapa, o desejo. No registro
simbólico da pulsão, o sujeito dividido se encontra em conexão e disjunção com
a demanda do Outro. No real o sujeito se torna seu objeto, é acéfalo,
percorrendo o trajeto de ida e volta em torno do objeto.
Fórmula da pulsão: $◊D
O neurótico (sujeito barrado)
identifica a falta do Outro com a demanda do Outro (D).
Em Posição do inconsciente, Congresso
de Bonneval, texto dos Escritos de 1960/1964, Lacan afirma: “...o significante
como tal, barrando por intenção primeira o sujeito, nele faz penetrar o sentido
da morte.” A morte, como significante, da linguagem, simbólica, entra na
“vida”, e vice-versa. Não há dualismo, a meu ver potência e ato. E, prossegue:
“Por isso é que toda pulsão é virtualmente pulsão de morte”. Lacan quer dizer
que o significante, a palavra mata a Coisa (Mãe como lugar do gozo incestuoso).
O significante Nome-do Pai barra o gozo, a relação incestuosa mãe-criança, e a
Coisa barrada dá origem ao objeto a, objeto perdido, causa do desejo,
resto de gozo. E a atividade, denominada pulsão (trieb), tenta restaurar
esta perda original, contornando o objeto.
A pulsão é uma montagem,
surrealista, unindo o Outro e a sexualidade. Lacan segue Freud ao distinguir os
4 termos da pulsão: impulso (Drang), fonte (Quelle), objeto (Objekt)
e alvo (Ziel). A Quelle é a zona erógena na pulsão. A atividade
da pulsão, o seu circuito, se concentra no se fazer, como na pulsão
escópica se fazer ver: uma flecha que contorna o objeto olhar e volta para o
sujeito. A pulsão contorna um furo, velado pelas “imagens” da história do
sujeito. Na pulsão, a
estrutura de borda dada à zona erógena é assegurada pelo contorno que a pulsão
faz em torno do objeto a.
Lacan cita o mito da lamela
(lâmina), desenvolvido no Congresso de Bonneval e no seminário 11, Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise. Ao romper as membranas do ovo
(óvulo), de onde sai o feto, algo se volatiza, que é a lâmina, algo extrachato
como uma ameba, e tem relação com o quê o ser sexuado perde na sexualidade, que
se torna imortal. Este órgão é a libido, que é “puro instinto de vida” (pur
instinct de vie), vida imortal. Observem que Lacan fala de “instinto de
vida” e não pulsão de vida. É o que é subtraído ao ser vivo por ele se submeter
ao ciclo da reprodução sexuada, sendo os objetos as suas figurações: seio,
fezes, olhar e voz. A pulsão é parcial, envolve as zonas erógenas que são
parciais. Toda pulsão é uma pulsão de morte, inexiste outra pulsão.
Se
a pulsão no Seminário 11 aponta para uma ficção, em seu último ensino,
no seminário 23, O sinthoma, Lacan indica que a pulsão é uma
"fixão", a fixação do gozo do significante no corpo do sujeito:”...as
pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer". Prossegue:
"é preciso que haja alguma coisa no significante que ressoe", e que
para que esse dizer ressoe, "é preciso que o corpo lhe seja
sensível". Neste último ensino, a pulsão de morte é o real pensado como
impossível, “o fato de a morte não pode ser pensada é o fundamento do real”.
Bibliografia:
Lacan,
J. Escritos. Seminários 11 e 23. RJ: Jorge Zahar Ed.
Quinet,
A. A descoberta do inconsciente. RJ: Jorge Zahar Ed., 2000.
Brousse,
Marie-Hélène. A pulsão I e II, in Para ler o seminário 11 de Lacan, org.
Feldstein e outros. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997.