quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pulsão em Lacan

Pulsão em Lacan
                                                                             Rosa Jeni Matz

Lacan com Freud diz que a pulsão é o conceito limite entre o psíquico e o somático, entre o simbólico e o real. A pulsão é representada no inconsciente pelos significantes, estruturado como uma linguagem, significantes que indicam as demandas do sujeito ao Outro, e as demandas do Outro ao sujeito, pelos modos de pulsão oral, anal... A pulsão é um mito, pois ao mitificar o real, narra a relação do sujeito com o objeto perdido. O significante ao barrar a necessidade produz a pulsão, que é o resultado da operação do significante sobre a necessidade, caindo um resto, algo que escapa, o desejo. No registro simbólico da pulsão, o sujeito dividido se encontra em conexão e disjunção com a demanda do Outro. No real o sujeito se torna seu objeto, é acéfalo, percorrendo o trajeto de ida e volta em torno do objeto.
Fórmula da pulsão: $◊D
O neurótico (sujeito barrado) identifica a falta do Outro com a demanda do Outro (D).
Em Posição do inconsciente, Congresso de Bonneval, texto dos Escritos de 1960/1964, Lacan afirma: “...o significante como tal, barrando por intenção primeira o sujeito, nele faz penetrar o sentido da morte.” A morte, como significante, da linguagem, simbólica, entra na “vida”, e vice-versa. Não há dualismo, a meu ver potência e ato. E, prossegue: “Por isso é que toda pulsão é virtualmente pulsão de morte”. Lacan quer dizer que o significante, a palavra mata a Coisa (Mãe como lugar do gozo incestuoso). O significante Nome-do Pai barra o gozo, a relação incestuosa mãe-criança, e a Coisa barrada dá origem ao objeto a, objeto perdido, causa do desejo, resto de gozo. E a atividade, denominada pulsão (trieb), tenta restaurar esta perda original, contornando o objeto.
A pulsão é uma montagem, surrealista, unindo o Outro e a sexualidade. Lacan segue Freud ao distinguir os 4 termos da pulsão: impulso (Drang), fonte (Quelle), objeto (Objekt) e alvo (Ziel). A Quelle é a zona erógena na pulsão. A atividade da pulsão, o seu circuito, se concentra no se fazer, como na pulsão escópica se fazer ver: uma flecha que contorna o objeto olhar e volta para o sujeito. A pulsão contorna um furo, velado pelas “imagens” da história do sujeito. Na pulsão, a estrutura de borda dada à zona erógena é assegurada pelo contorno que a pulsão faz em torno do objeto a.
Lacan cita o mito da lamela (lâmina), desenvolvido no Congresso de Bonneval e no seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Ao romper as membranas do ovo (óvulo), de onde sai o feto, algo se volatiza, que é a lâmina, algo extrachato como uma ameba, e tem relação com o quê o ser sexuado perde na sexualidade, que se torna imortal. Este órgão é a libido, que é “puro instinto de vida” (pur instinct de vie), vida imortal. Observem que Lacan fala de “instinto de vida” e não pulsão de vida. É o que é subtraído ao ser vivo por ele se submeter ao ciclo da reprodução sexuada, sendo os objetos as suas figurações: seio, fezes, olhar e voz. A pulsão é parcial, envolve as zonas erógenas que são parciais. Toda pulsão é uma pulsão de morte, inexiste outra pulsão.
Se a pulsão no Seminário 11 aponta para uma ficção, em seu último ensino, no seminário 23, O sinthoma, Lacan indica que a pulsão é uma "fixão", a fixação do gozo do significante no corpo do sujeito:”...as pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer". Prossegue: "é preciso que haja alguma coisa no significante que ressoe", e que para que esse dizer ressoe, "é preciso que o corpo lhe seja sensível". Neste último ensino, a pulsão de morte é o real pensado como impossível, “o fato de a morte não pode ser pensada é o fundamento do real”.

Bibliografia:
Lacan, J. Escritos. Seminários 11 e 23. RJ: Jorge Zahar Ed.
Quinet, A. A descoberta do inconsciente. RJ: Jorge Zahar Ed., 2000.
Brousse, Marie-Hélène. A pulsão I e II, in Para ler o seminário 11 de Lacan, org. Feldstein e outros. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997.




                                                                                         

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Terra Firme - filme

Terra Firme, do diretor italiano Emanuele Crialese, filme franco-italiano.

                                                                                         Rosa Jeni Matz

Sempre gostei de filmes italianos embora não os tenha assistido muito atualmente. Gosto deles, pois mostram os costumes e a língua greco-romana, que também nos aproxima. E, além disso, a dimensão do trágico/do desejo/do gozo na vida e na morte está presente em sua cultura.
A ética é o fio condutor do filme. Lembrou-me a Antígona de Lacan, que luta pela lei dos deuses contra a lei da cidade de Creonte (seminário 7, a ética da psicanálise).
O avô de Filippo é a Antígona do filme, que segue a lei do seu desejo, de pescador, de nunca abandonar um ser humano no mar. A polícia, lei da cidade, confisca o seu barco, o impedindo de pescar, pois salvou alguns africanos em seu barco, ação proibida por lei, inclusive uma mulher grávida e seu filho que esconde em sua casa para não serem deportados. O avô, quase morre pelo seu desejo, ao salvá-los da morte no mar, dimensão trágica de Antígona.
A mãe de Filippo faz o parto, salvando mãe e filha, esta resultado de violência e abuso sexual sofrido pela mãe.
O jovem Filippo, ao se aproximar do sexo no mar, encontra a angústia. Surgem do mar, avançando em sua direção, africanos sedentos de braços amigos (terra firme). Não sabendo como lidar, Filippo não permite que entrem no barco, agindo com violência sobre as mãos dos africanos. Enquanto as mãos de sua mãe dão vida a uma menina africana, surgindo a bela frase no filme dita pela africana à mãe de Fillipo, mais ou menos assim: “minha filha para de chorar, pois sente o cheiro de suas mãos, que foram as primeiras em sua vida”. Já Filippo não consegue dar as mãos aos africanos. Um jovem esmagado pela angústia entre a demanda do avô e a demanda da polícia. Em tempo posterior, resolve esta angústia pelo ato. Traz para si a responsabilidade.
A ilha de Lampedusa está aí. Milhares de negros que lutam pela imigração, frutos da pobreza. Não podemos fechar os olhos. Todos nós somos responsáveis. Tudo isso é triste e vergonhoso!
O filme trata da dignidade humana.