quinta-feira, 18 de abril de 2013

A dor de existir

A dor de existir
Lacan extraiu do budismo a noção de "dor de existir", inserindo-a em sua obra. A dor de existir é conseqüência da existência do sujeito no campo da linguagem. É o seu destino. Para existir como sujeito o homem está condenado a se alienar, a "ex-sistir" fora de seu corpo, identificando-se ao significante que o define, dependendo do Outro simbólico, que preexiste ao sujeito. A dor de existir surge quando o prazer dá lugar à dor na vida do sujeito, o desejo não está mais presente, manifestando-se o castigo por ter desejado. É a morte mordendo a vida.



A dor de viver                                                                                          
                                                                                              
A dor e o existir...
A vida se inicia
Vem a dor
Vem o ardor

A dor faz parte da vida
O parto partilha a dor
Dor da mãe
Dor do filho
Dor do pai

O bebê chora
Dor?
A mãe chora?
Dor?
O pai chora
Dor?

Dor de amor
Dor de corpo
Dor de alma
Dor psíquica
Quanta dor!

Mas, o ardor?
A dor do ar, da respiração...
Do nascimento
Da ânsia, do fogo,
A dor da angústia
Da morte.

Arde o coração por paixão
Dói o coração por ódio
Nós, homens tentamos nos livrar da dor...
É tão difícil sentir dor
.
Dor dourada
Dor que dura
Dor de nós dois
Que buscamos a vida sem dor

Para viver no coletivo
Consentir a perda
Perda girando dor
Dança de dor

Dor de existir
A dor e o ex-sistir
Corpo de dor
Dor do “partir”.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Habermas e a psicanálise


Habermas e a  psicanálise: crítica ao dogmatismo

Heck afirma na introdução de Conhecimento e Interesse[1]que Habermas parte da tese de que “todo conhecimento é posto em movimento por interesses que o orientam, dirigem-no, comandam-no”[2], sendo que o único interesse que se legitima a si próprio é o da emancipação da espécie. Da identidade de tornar-se livre em um determinado momento e ser-livre algum dia resulta para Habermas uma concepção original de práxis. Trata-se de manter viva a teoria, o discurso isento de coerção, buscando pela reflexão a emancipação. Encontramos no livro elementos básicos do racionalismo crítico e da filosofia analítica. Habermas conecta o interesse por emancipação com a psicanálise. Investe em Freud, no sentido de fazer da reflexão uma grandeza epistemológica, de comprometer o interesse com um conhecimento que seja eficaz em desmascarar estruturas repressivas, dissolvendo-as no fluxo emancipatório do saber. Encontra na psicanálise ingredientes humanistas como a espontaneidade, a consciência e a liberdade.
Habermas afirma que na situação terapêutica os indivíduos conversam entre si, sendo que o saber que resulta desta comunicação se localiza entre as coordenadas do próprio verbo que se articula. Não há um acordo preliminar, logo acontece em prática o que a reflexão filosófica só consegue antecipar teoricamente: o exercício emancipatório da comunicação. Para Habermas a psicanálise é “o único exemplo disponível de uma ciência que reivindica metodologicamente o exercício auto-reflexivo”[3]. Busca universalizar a situação terapêutica, tendo na emancipação seu interesse determinante. Situa a metapsicologia freudiana a serviço do interesse emancipatório. A conversa psicanalítica conduz à emancipação.
Interpreta a obra de Freud, buscando examinar o processo da dissolução da teoria do conhecimento, substituída pela teoria da ciência, galgando a esquecida experiência da reflexão. Diz que “Freud elaborou uma moldura interpretativa para processos de formação, perturbados e obliterados, os quais podem, através de uma reflexão de orientação terapêutica, ser conduzidos para vias normais”[4]. A auto-reflexão é “percepção sensível e emancipação, compreensão imperativa e libertação da dependência dogmática numa mesma experiência”[5]. O dogmático é coisificado pelo objeto, levando uma existência não livre, sendo o dogmatismo uma incapacidade teórica. Cita o conceito da auto-reflexão, desenvolvido por Fichte, como uma atividade que retroage sobre si mesmo, possuindo uma significação sistemática para a categoria do interesse que orienta o conhecimento.
Habermas denomina de interesses “as orientações básicas que aderem a certas condições fundamentais da reprodução e da autoconstituição possíveis da espécie humana: trabalho e interação“[6]. Estas orientações fundamentais visam a solução de problemas sistêmicos propriamente ditos. Trabalho e interação englobam processos de aprendizagem e de compreensão recíproca. Um complexo vital é um conjunto de interesses.
As ações emancipatórias são ações que coincidem com a atividade da reflexão. Um ato de auto-reflexão, que altera a vida, é um movimento de emancipação, sendo que para Fichte, conhecimento e interesse se fundem num único ato. Habermas diz que “aquilo que chamamos de razão se apreende no momento em que ela, enquanto tal, se executa como auto-reflexão”[7].
                       Segundo Habermas, a psicanálise ao nascer já se move no elemento da auto-reflexão, sendo a crítica psicanalítica do sentido em Freud um exemplo da auto-reflexão como ciência. Freud refletiu sobre as novas premissas da psicanálise, pois desenvolveu uma nova disciplina. Habermas afirma que “a psicanálise é, para nós, relevante como o único exemplo disponível de uma ciência que reivindica metodicamente o exercício auto-reflexivo”[8]. A crítica psicanalítica restabelece o texto mutilado na história do sujeito. O trabalho crítico da psicanálise implica em esclarecer o sentido da corrupção no texto adulterado por influências internas, um sentido que o sujeito não tem mais acesso. É uma hermenêutica, segundo Habermas, que “unifica a análise da linguagem com a pesquisa psicológica dos complexos causais”[9].
                       Prossegue:
Instruído pelo analista, o paciente aprende a ler seus próprios textos, por ele mesmo mutilados e deformados, e a traduzir, no discurso da comunicação pública, os símbolos de um discurso disforme na linguagem privada. Tal tradução descerra para a memória, até aí bloqueada, as fases geneticamente importantes da história da vida, e torna o sujeito consciente do seu processo formativo: neste sentido a hermenêutica psicanalítica não objetiva, como a hermenêutica das ciências do espírito, a compreensão de complexos simbólicos enquanto tais; o ato de compreender, ao qual ela conduz, é auto-reflexão [10].

                        Habermas parte da tese “segundo a qual o processo cognitivo do paciente, iniciado pelo médico, deve ser compreendido como uma auto-reflexão”[11]. O conhecimento psicanalítico faz parte da auto-reflexão, sendo que a técnica analítica não pode ser determinada sem a referência à experiência de reflexão. A tradução do texto psicanalítico, tornar o inconsciente consciente, seria a reflexão onde as repressões podem ser suprimidas. O analista encaminha o processo do esclarecimento, reorientando a dinâmica do recalque, e libertando as impressões recalcadas. Considera o saber psicanalítico como uma crítica: “O saber analítico, enquanto auto-reflexão, é crítica no sentido de que a intelecção do paciente possui, nela mesma, o poder analítico de remover atitudes dogmáticas”[12]. A crítica parte da necessidade de uma transformação. O paciente deseja se ver liberto de seus sintomas. A auto-reflexão se mantém em processo através do interesse pelo auto-conhecimento.
                        O tratamento psicanalítico através da dinâmica da reflexão transforma um estado em outro, a crítica caracteriza-se por um esforço emancipatório, transforma o estado patológico em linguagem reconciliada, e Habermas diz: “Enquanto a teoria permanecer, de acordo com o seu sentido, relacionada com a reconstrução de uma parte perdida da biografia e, assim, presa à auto-reflexão, sua aplicação será necessariamente prática”[13]
                        Segundo Habermas, a psicanálise deve a sua existência a intenção do esclarecimento. A crítica possui o sentido de análise. A crítica busca fazer com que o inconsciente se torne consciente, alterando também os elementos determinantes de uma falsa consciência. Numa perspectiva crítica é preciso recuperar a interação humana, baseada no agir comunicativo entre sujeitos livres, buscando o caráter emancipador em relação à dominação técnica. A crítica, ao explicitar as condições da ação comunicativa, permite o desmascaramento da ideologia e a retomada da razão emancipadora. Busca, aproximando-se da filosofia analítica, uma linguagem livre de distorção como fundamento de uma nova racionalidade. A psicanálise sempre combateu superstições, dogmas, seguindo o viés do Iluminismo, defende a racionalidade crítica, a liberdade humana; a teoria e a prática psicanalítica fazem parte do processo de emancipação da espécie humana. 

Referência bibliográfica:
Habermas, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

Notas:
[1] Habermas, J.. Conhecimento e interesse, Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. 
[2] Ibid., p.12 
[3] Ibid., p.19 
[4] Ibid., p.210
[5] Ibid., p.228
[6] Ibid., p.217 
[7] Ibid., p.232 
[8] Ibid., p.233 
[9] Ibid., p.236 
[10] Ibid., p.246 
[11] Ibid., p.250
[12] Ibid., p.251 
[13] Ibid., p.263