quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A violência neuronal na sociedade do cansaço

Em Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han afirma no capítulo sobre a violência neuronal, que cada época possui enfermidades fundamentais. Diz que não vivemos mais numa época viral, que é uma época da negatividade. Por uma perspectiva patológica, o século XXI não é mais definido como bacteriológico e viral, mas sim como neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno do déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL), ou a Síndrome de Burnout (SB) são as patologias do início do século XXI. Não são infecções, mas enfartos provocados pelo excesso de positividade. Vivemos numa época de positividade.

Mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX descrita por Michel Foucault não está mais atuante, sendo substituída por uma nova forma de organização coercitiva, que é a violência neuronal, onde os indivíduos se cobram para apresentar resultados, tornando-se carrascos e vigilantes de suas ações.
O século passado foi imunológico. Havia uma divisão nítida entre dentro e fora, amigo e inimigo, próprio e estranho. A Guerra Fria seguia este esquema imunológico. O paradigma imunológico dominava o vocabulário desta guerra através de um dispositivo militar. A ação imunológica se define por ataque e defesa. Pela defesa se afasta o que é estranho. A estranheza é objeto da defesa imunológica. O estranho é eliminado pela sua alteridade, sendo a alteridade a categoria fundamental da imunologia. 
Byung-Chul Han diz que hoje em dia no lugar da alteridade entra em cena a diferença, que não provoca reação imunológica. A diferença pós-imunológica, a diferença pós- moderna já 
não faz adoecer. Hoje falta à diferença a estranheza, que provocaria violenta reação imunológica. A estranheza se neutraliza no consumo. O estranho cede lugar ao exótico, e o turista visita o exótico, não é mais um sujeito imunológico.
O imigrante hoje não é mais um outro, não é um estrangeiro, que representaria perigo real ou causasse medo. Os imigrantes são mais um peso do que uma ameaça. O vírus do computador não tem mais tanto impacto social.
O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização. A alteridade atuaria contra a suspensão de barreiras. O mundo organizado imunologicamente apresenta uma topologia específica, com barreiras, passagens, cercas, trincheiras e muros. Hoje a promiscuidade geral está em todos os âmbitos da vida, e a hibridização domina o atual discurso teórico-cultural.
A dialética da negatividade é o traço fundamental da imunologia. Aí o outro é o negativo que penetra no próprio e procura negá-lo.
A profilaxia imunológica, a vacinação, segue a dialética da negatividade. Apenas fragmentos do outro é introduzido no próprio a fim de provocar imunorreação. 
O desaparecimento da alteridade significa que estamos numa época empobrecida de negatividades. Os adoecimentos neuronais deste século são resultados de um exagero de positividade.
A violência pode provir do igual, e não apenas do outro e do estranho.
Byung-Chul Han cita Baudrillard que diz "quem vive do igual, também perece pelo igual" (A transparência do mal), e que se refere também à "obesidade de todos os sistemas atuais": sistemas de informação, comunicação e de produção. Mas Byung-Chul Han diz que Baudrillard afirma o totalitarismo do igual a partir da perspectiva imunológica, sendo esta a debilidade de sua teoria. Para Byung-Chul Han o igual não forma anticorpos. Num sistema onde o igual domina não tem sentido fortalecer os mecanismos de defesa. Distingue rejeição (abstossung) imunológica e não imunológica. A última implica num excesso do igual, um exagero de positividade. Não há aí negatividade. Já a rejeição imunológica exclui o outro.
A violência da positividade, neuronal, é resultado da superprodução, do superdesempenho, da supercomunicação. A rejeição frente ao excesso de positividade não gera defesa imunológica, mas uma ab-reação  neuronal-digestiva, que é uma rejeição. Também o esgotamento, a exaustão e o sufocamento frente à demasia não são reações imunológicas. São todas elas manifestações de uma violência neuronal.
Critica a teoria da violência de Baudrillard pois ela descreve imunologicamente a violência da positividade ou do igual. Baudrillard afirma que a violência da rede e do virtual é viral, ele descreve a genealogia da inimizade em vários estágios. De início o lobo, inimigo externo, que ataca e nos defendemos pela construção de muros; depois o inimigo toma forma de rato, que é combatido pela higiene; em seguida o estágio do besouro, depois o estágio do vírus de difícil defesa pois está no coração do sistema, que se infiltra no poder. A violência viral aparece como células terroristas. Para Baudrillard o terrorismo é a principal figura de violência viral.
Para Byung-Chul Han a genealogia da inimizade não coincide com esta genealogia da violência. A violência da positividade neuronal não pressupõe nenhuma inimizade. Desenvolve numa sociedade permissiva e pacificada. É mais invisível que uma violência viral. Habita o espaço livre do igual, sem polarização entre inimigo e amigo, entre interior e exterior.
Atualmente o modo de ser do indivíduo se constitui numa organização social que privilegia vertentes do mercado neoliberal, produzindo novos corpos dóceis e autoexplorativos, o empresariamento de si. 
A positivação do mundo faz surgir novas formas de violência, que são imanentes ao sistema. Sendo imanentes não evocam a defesa imunológica. A violência neuronal é o terror da imanência, que se distingue do horror ao estranho no sentido imunológico. Não tem negatividade, não é privativa mas saturante, não excludente mas exaustiva. É inacessível a uma percepção direta.
A violência viral, que segue o esquema imunológico do interior e exterior ou do próprio e outro, pressupondo singularidade ou alteridade hostil ao sistema, não tem condições de descrever enfermidades neuronais como depressão, TDAH ou SB.
A violência neuronal não parte de uma negatividade estranha ao sistema. É uma violência sistêmica, violência imanente ao sistema. Estas enfermidades apontam para um excesso de positividade. Burnout é uma queima do eu por superaquecimento devido a um excesso de igual. O hiper da hiperatividade é uma massificação do positivo.

Bibliografia 

Han, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. RJ: Vozes, 2017.



Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.

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