Jardim lacaniano

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.

Reflexões sobre dinheiro e psicanálise.
Comentários a partir de Freud e do texto “Capital e libido” de Antonio Quinet.

                                                                                               Rosa Jeni Matz

Aproximei o tema “dinheiro e psicanálise” aos 2 registros lacanianos: Simbólico e Real, detendo-me no registro do Real, pois é onde se encontra a questão do dinheiro, da libido como gozo, e a psicanálise na contemporaneidade.
Para Freud na Metapsicologia a libido é energia, grandeza quantitativa das pulsões.
Quinet parte do conceito de pulsão, constituída pelo significante (representante da representação) e libido. O significante é cifrado no inconsciente, sendo que a libido, parte quantitativa da pulsão, não tem representação no inconsciente. O dinheiro se situa com um pé no ciframento/deciframento (cifra/representação) e outro pé na energia quantificável (libido/satisfação). A pulsão situada como conceito limítrofe entre o somático (Real) e o psíquico (Simbólico).
Millet em seu livro Silet afirma que Lacan fez três reescrituras do conceito freudiano de libido em sua obra. No primeiro momento situou a libido no registro do Imaginário em relação ao narcisismo. No segundo momento fez da libido desejo no registro do Simbólico, conduzindo a equivalência entre desejo e deslizamento metonímico. Na terceira reescritura Lacan dá conta da libido no registro do Real como gozo indo contra o princípio do prazer.
A entrada do sujeito na cultura insere o dinheiro como Simbólico, fazendo-o existir em função da linguagem, como troca de objetos marcados pela simbolização Em Freud o dinheiro faz parte da série de equivalências simbólicas formada pelos objetos marcados pela castração: seio, pênis, excremento, dinheiro, criança, presente, etc.
O dinheiro vinculado ao desejo aponta para a falta, falta a ser, deslizando pelos intervalos da cadeia significante, como metonímia da falta.
Freud em seu trabalho “O início do tratamento” diz que poderosos fatores sexuais acham-se envolvidos no valor dado ao dinheiro pelo analisante. O fator sexual é da ordem da pulsão. Podemos pensar que sendo o sujeito singular, cada um lida com a questão do dinheiro num modo próprio. Freud relacionou dinheiro e fase anal, e Lacan à demanda do Outro, onde a mãe demanda ao filho suas fezes, este podendo reter ou ofertar, ambos num processo de demanda incondicional de amor. O objeto a, as fezes, é um objeto cedível.
Para Quinet o gozo é o conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e satisfação, e o dinheiro no registro do Real aponta a libido como gozo.
O dinheiro na análise se encontra em conjunção entre os significantes da pulsão recalcados e cifrados no inconsciente, e a energia quantificável denominada por Freud de libido. Logo, o dinheiro com um pé no Simbólico e outro no Real.
Os significantes podem equivaler à própria cifra no inconsciente, e o “cifrão” representa o montante das operações libidinais.
O sintoma que pode ser decifrado é da ordem da linguagem, sendo que a libido é o que se satisfaz no sintoma, resistindo ao deciframento e dificultando o abandono do sintoma pelo sujeito.
Quinet questiona: se o sintoma é um cômodo investimento do sujeito por que ele busca a análise?
Pode-se pensar a constituição da demanda para a análise em 3 tempos:
Primeiro tempo: o preço que o sujeito paga pelo seu sintoma é caro, bem elevado! Quando a formação de compromisso do sintoma se rompe, o benefício secundário se desfaz, e o Real surge, superando a satisfação produzida pelo sintoma. O sujeito pode buscar a análise, ou não, pode buscar outros meios para compensar o desequilíbrio, como uma viagem, compras etc.
Segundo tempo: o sujeito quer decifrar o seu sintoma, quer saber de seu sintoma. Há uma questão no seu sintoma que precisa ser decifrada, procurando decifrar a sua posição de assujeitamento ao desejo do Outro que é a alienação. A alienação é o primeiro momento no processo de constituição da subjetividade, sendo que o segundo momento é o da separação.
Situa o sujeito no início da análise nos 3 registros do campo lacaniano:
No Imaginário: amor de transferência – a reciprocidade de amar e ser amado, o analisante “ama” e se sente considerado pelo analista em seu sofrimento.
No Simbólico: é a entrada do sujeito na cadeia significante pela associação livre, o analista sendo o Outro para onde o sujeito endereça, envia seus significantes.
No Real: remanejamento da libido como transferência do gozo, transferência do preço pago com o sintoma para os custos (preço) da análise, esvaziamento do bolso através de privações, sacrifícios etc. O sujeito fabrica um objeto que se chama analista, que se paga para desfrutar. O analista “se vende” como objeto que é de início contabilizado: tanto por sessão. O analista é um objeto investido libidinalmente que se amoeda com o dinheiro. É um objeto de “aluguel”, não podendo permitir a economia, que é economia de gozo que se representa pelo dinheiro, e que se expressa pela retenção, que infringe a regra da associação livre, que é contra qualquer retenção. O gozo do dinheiro é a libidinização do capital no ser falante.
“Só há uma maneira de fazer análise: investindo tudo”.
 Para Quinet a despesa de dinheiro acompanha a despesa de libido que é um esvaziamento de gozo, hemorragia inicial de gozo do sintoma simultaneamente à transferência para o analista. A transferência em análise é de significante e de capital da libido, gozo. 
O analista ao cobrar, o preço da sessão, transforma a ordem do destino em objeto de troca. Trata o Real pelo Simbólico. Na análise o sujeito presta conta de seus “crimes”, de sua “verdade”, e paga com dinheiro, movimentando a dívida simbólica, dívida que o sujeito paga pela entrada no simbólico renunciando ao gozo.
O preço cobrado tem como função amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro, que consiste em dever algo a alguém.
Diz que o analista não está na análise por amor, por sacrifício ou por ideal, ou para gozar das histórias dos analisantes. Para além do amor de transferência está o cerne do amor: a questão “o que sou como objeto para Outro?”, onde o analista é colocado no lugar do Outro que pode gozar do sujeito ao torná-lo objeto. Fazer o analisante pagar é o analista mostrar que não se interessa pelo analisante como objeto, e sim como sujeito, e que pode adquirir outros objetos com o dinheiro pago pelo analisante.
O dinheiro é o significante mais aniquilador de significação, contrabalança a responsabilidade do analista que recebe os segredos do analisante. O dinheiro, como significante, esvazia os sentidos imaginários.
O analista é depositário das palavras, letras, “cartas” do analisante, e é constituído como um cofre precioso, a agalma de Sócrates, que contém males e bens do analisante. Mas, o analista também paga nos 3 registros:
No Simbólico através da interpretação. No Imaginário com a sua pessoa, apagando o seu eu. No Real, como o seu ser, no faz de conta de ser o objeto a, anulando-se como sujeito.
Quinet desenvolve a questão do dar: o analisante através do amor de transferência demanda amor. Demanda que precisa ser recusada para que surja o desejo que desliza nos intervalos da cadeia significante. Lacan afirma que amar é dar o que não se tem. Dar nada? Não, na questão do dinheiro o analista faz o analisante pagar bem. O analista como o Outro do amor para quem o analisante endereça a sua demanda se torna valioso, pois o analisante supõe que ele detém este objeto precioso, a agalma, objeto causa de desejo. Por este objeto valioso o analisante paga bem.
A prática do contrabando aparece através da obsessionalização do pagamento. O obsessivo e o seu desejo tenta driblar o Outro, negociando preço com recibo ou preço sem recibo.
Na análise, diz Quinet, há um recibo.
Cada analista, através da sua escuta, sua práxis, sua linha teórica, vai “receber” o dizer do analisante e irá significá-lo: o sujeito é responsável pelo seu dizer. O que foi dito está dito! O recibo do analista pode ser uma pontuação, o próprio corte da sessão, onde ele significa ter recebido o que o analisante depositou. O recibo vem antes do gesto do pagamento.


Bibliografia

Freud, S. Sobre o início do tratamento (1913). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.
Miller, Jacques-Alain. Silet: os paradoxos da pulsão de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Quinet, Antonio. As 4+1 condições de análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.



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Marcadores: amor de transferência, cifra, demanda, desejo, dinheiro e psicanálise, Freud, gozo, Lacan, libido, objeto a, pulsão, Real, significante, simbólico, sintoma

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Não ceder sobre o seu desejo (“ne pas céder sur son désir”).

Não ceder sobre o seu desejo (“ne pas céder sur son désir”).
                                                                         Rosa Jeni Matz

No último capítulo do Seminário 7, A ética da psicanálise, Lacan desenvolve o aforismo “não ceder sobre o seu desejo”. Em resumo é não cobrir a falta do desejo pelo gozo, não ceder o desejo ao gozo, não permitir o gozo cobrir (sobre) o desejo. O gozo instrumentado pelo perverso, ou algo ou alguém que goza do sujeito, gozo do Outro.
Encontramos na tradução brasileira: “ceder de seu desejo” (lugar, posição, do desejo), p. 382.
Para Lacan ceder sobre o desejo é acompanhada no destino do sujeito por uma traição. Ou o sujeito se trai, trai o seu caminho, ou alguém a quem se dedicou o trai, logo alguém goza dele, rompe o pacto. O sujeito cede sobre o que deseja, renuncia a sua perspectiva de vida.
Lacan comenta que a ética de Aristóteles seria uma ética do mundo dos bens, diferente da ética da psicanálise que permite o surgimento do sujeito. Como Freud formulou: “Wo es war, soll Ich werden”, e que Lacan traduz como “Là où est le ça, il faut que le je advienne” (o Eu deve advir lá onde isso estava). A ética da psicanálise se situaria no simbólico, da Lei, da responsabilidade do sujeito com a sua fala, em torno do advir do sujeito, que atende à “lei”: “Ne céder pas sur son désir”.
Lacan também formula: “A única coisa da qual se pode ser culpado é de ter cedido de seu desejo”. (p.385)
Aproxima Lei, desejo e culpa. A noção de desejo está associada à Lei. A Lei, interditora do incesto, da castração, barra o desejo incestuoso, onde o objeto se torna para sempre perdido.
Lacan diz que quando o sujeito apresenta culpa é que na raiz cede sobre o seu desejo. Podemos pensar que ele abre mão do seu desejo, daquilo que seria a metonímia do seu ser, a sua essência, em busca do gozo, se desculpa, se acovarda, por “um bom motivo”, em nome de um bem, ou bens do outro. Para Lacan o desejo suporta o tema inconsciente, a raiz de um destino particular, onde a dívida simbólica precisa ser paga.
Em Freud a culpa é resultado da censura que o superego impõe ao ego. Já em Lacan a lei do supergo é perversa: Goze! Vc. deve gozar!. Lacan situa a culpa em outra via, a via da lei e do desejo, da ética do sujeito responsável pelo seu desejo, pela sua fala, pela linguagem; e onde ele é culpado ao ceder sobre a questão do seu desejo. É a responsabilidade do caminho que cada um traça em sua vida, a singularidade do sujeito.
Como diz Lacan sobre a tragédia, e também sobre Antígona: “...o acesso ao desejo necessita ultrapassar não apenas todo temor, mas toda piedade, que a voz do herói não treme diante de nada, e muito especialmente diante do bem do outro...”
“Mesmo para aquele que avança ao extremo de seu desejo, nem tudo são flores”.
É isso aí!

Referência bibliográfica:
Lacan, J. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Ed, 1991.

                                                                        

                                                                                    
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Marcadores: culpa, ética da psicanálise, gozo, Lei, não ceder sobre o seu desejo, superego

A ética do desejo

A ética do desejo
                                  Rosa Jeni Matz

            A ética em psicanálise traz a questão da responsabilidade do sujeito pelo seu desejo.

        Em Totem e Tabu, mito da horda primeva, Freud elabora a fundação da cultura através do ato criminoso do assassinato do pai da horda, e do devoramento deste pai despótico pelos filhos. No lugar de uma lei tirânica, onipotente do pai, surge um acordo entre os irmãos culpados, criando-se a lei simbólica, à qual todos estão assujeitados. Esta lei se refere ao pai morto, constituindo a dívida simbólica. Portanto, a lei e o desejo se enlaçam num liame trágico. O desejo incestuoso é barrado pela lei, tornando-se falta, falta a ser. O desejo é o movimento de busca de reencontro do objeto perdido, mas como o objeto é para sempre perdido, o encontro é faltoso. A lei estrutura o desejo humano, impedindo a realização do incesto. A ética do desejo é uma ética de responsabilidade, implicando que o sujeito não ceda de seu desejo frente ao gozo, desejo que o humaniza, o essencializa, tornando-o humano, protegendo-o do gozo, que seria um excesso, ultrapassagem da barreira da lei.

        Enquanto que para Aristóteles a eudaimonia poderia ser atingida pelo conhecimento do Bem, para a psicanálise este Bem (das Ding) se perdeu. A felicidade (bonheur) seria uma questão de sorte, numa boa hora o sujeito pode ter um bom encontro com o real. Mas, o sujeito teve um trágico encontro com o real. O trauma é este trágico encontro, encontro marcado.
        A sublimação seria a possibilidade que a civilização oferece de manifestação de alguma coisa diferente da sintomatologia do mal-estar. Das Ding, a Coisa, nunca é possuída ou representada, é sempre perdida e repetida em nossas vidas. Lacan define a sublimação como “a elevação de um objeto à dignidade da Coisa”. A sublimação não representa essa Coisa perdida, ela recria o vazio (vide) deixado por essa perda, estruturalmente irrepresentável para o sujeito. Mediante a recriação a perda do objeto descobriria outro destino diferente da angústia, da neurose.


 Bibliografia
 França, M.I. Psicanálise, estética e ética do desejo. São Paulo: Perspectiva, 1997.
 Lacan, J. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar, 1988.
 Rajchman, J. Eros e verdade: Lacan, Foucault e a questão da ética. RJ: Jorge Zahar, 1993.


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Marcadores: Coisa (Das Ding), desejo, dívida simbólica, ética, falta, felicidade, Freud, gozo, Lacan, Lei, objeto perdido, Real, sublimação

quinta-feira, 13 de março de 2014

Ela - filme her/dela/sua

Ela -her -filme
her (em letra minúscula), filme dirigido por Spike Jonze.

A tradução do título não é Ela, que seria em inglês She, sujeito, mas sim sua, dela.

Theodore escreve cartas para outras pessoas. Triste com o final de um casamento, ele se conecta com um novo e avançado sistema operacional, onde conhece "Samantha", uma voz feminina que lhe desperta desejo e por ela se apaixona. É um filme sobre o gozo, objeto a, voz, de Lacan. No processo de constituição do sujeito ocorre uma perda, resultado do encontro do sujeito e do Autre (Outro). Esta perda é o objeto a, face de desejo e face de gozo. A voz é um objeto a, como o seio, as fezes e o olhar. Uma pinta, um estrabismo, um modo de cruzar as pernas, podem despertar o desejo de um homem. E por que não uma voz? Neste filme a voz, embora numa inteligência artificial, é real. Quais as fronteiras atuais entre o real e o virtual? Também a escrita de Theodore é efeito de sua voz, de sua fala. Desperta desejo daquele que lê a sua escrita/carta (lettre). É um filme sobre o homem, a linguagem e o gozo, sem corpo, incorpóreo. É possível se apaixonar por uma voz, por uma pinta, por um olhar... E a voz também como qualquer objeto se perde. No final o ombro, outro objeto, é o suporte dela, her, “amiga” dele. Grande filme do presente futuro!
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Marcadores: Autre, desejo, Ela-her-filme, gozo, lettre, objeto a, perda do objeto, Real, sujeito, voz

quarta-feira, 5 de março de 2014

Renúncia ao gozo; impossibilidade x possibilidade, ética x moral, dívida simbólica.




Renúncia ao gozo; impossibilidade x possibilidade, ética x moral, dívida simbólica.

-da renúncia ao gozo
-da impossibilidade x proibição
-da ética x moral (Lei x código)
-da dívida simbólica.


A renúncia ao gozo é fundamental para a constituição do sujeito. Ao renunciar ao gozo, ao afirmar a castração, o sujeito está aceitando a perda de gozo necessária para o seu convívio no social. Está se afastando da relação incestuosa, aceita a Lei do desejo. É através dessa perda de gozo, que o objetoa pode aparecer nas formas de seio, fezes, olhar e voz, que seriam as partes que o sujeito cede em sua relação com o Outro.

A impossibilidade é da lógica do Real. É impossível “acessar” ao Real, só “acessamos” a pedaços do Real. Um exemplo desta lógica do Real: muitas vezes escutamos na clínica um paciente dizer: “não consigo fazer isso”. Na lógica do possível, algo pode estar inibindo o sujeito, inibição, ou um sintoma, um conflito pode estar por trás disso. Na impossibilidade o “não consigo” aponta para o Real, seria como um sujeito já lesionado gravemente sofrer por não conseguir realizar algo que o órgão já lesionado, irreversível, o impede de realizar. É necessário o paciente aceder a orientação do Real quando ele urge. Ao Real é o impossível...

A proibição, a proibição do incesto, lei universal, seria colocada pela Lei simbólica, atenderia ao Simbólico, à Lei. No obsessivo o desejo aponta para a sua proibição.

Lacan diz, e concordo, que o estatuto do inconsciente é ético (em Os 4 conceitos fundamentais da psicanálise, p. 37, Zahar, 1995), e não ôntico. A Lei, proibição do incesto, o desejo sempre insatisfeito, e o objeto é desde sempre perdido. O código está no Outro, o tesouro dos significantes, e implica em respostas as demandas vindas do/para o sujeito. A moral visa o Bem, enquanto o recalque/inconsciente “barra” o Bem, que perde gozo..

A dívida simbólica se refere também à perda de gozo que o sujeito sofreu ao aceder ao social. Ao se deixar barrar pela Lei simbólica, da proibição do incesto, o sujeito internaliza esta proibição. O assassinato do pai primevo pelos filhos-irmãos, e depois a simbolização deste ato, o parricídio, o pecado original, tem um preço. A morte do pai reforça a interdição do gozo, e não a libera. A interdição, Lei fundadora, constitui o sujeito como desejante, e então o gozo se torna parcial. Qualquer exercício de gozo engendra a dívida simbólica, na medida em que implica numa transgressão à Lei do desejo.
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Marcadores: dívida simbólica, ética, impossibilidade, inconsciente ético, inibição, interdição, Lacan, Lei, pai primevo, pecado original, possibilidade, proibição do incesto, Real, renúncia ao gozo, transgressão

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A Grande Beleza - Filme

A Grande Beleza.
Filme dirigido por Paolo Sorrentino
                                    
                                                                        Rosa Jeni Matz

Em Roma, um escritor pensa sobre a sua vida, passado e presente. Escreveu um livro de sucesso, e não termina nenhum outro livro que inicia. Frequenta festas luxuosas, com drogas e excessos. No terraço com vista para o Coliseu, um grupo de “amigos” se reúne, entre eles uma editora anã. Falam de Roma, da vida, de perdas: a decadência de Roma hoje.
Uma religiosa será entrevistada por ele. Há um encontro, um momento, uma cena mágica, onde os animais alados pousam no terraço. A religiosa questiona o porquê dele não escrever mais. Ele responde que busca “a grande beleza”. E ela lhe diz porque come “raízes”: é bom voltar para o princípio.
Em Lacan, este é um filme sobre o gozo, a Coisa = A Grande Beleza, o objeto a, objeto para sempre perdido. Em Freud, também em Lacan, na experiência de satisfação, a primeira, o início, é onde se dá o encontro com a Coisa, Das Ding, que é um "complexo". O objeto a é o resultado deste encontro (objeto causa de desejo, e mais-valia, objeto do gozo) onde acontece a perda do objeto, saímos do Paraíso, do encontro com a Grande Beleza = Coisa (Mãe, "desejo incestuoso"). A beleza e o horror, a feiúra, 2 faces de uma mesma moeda.
No início de vida há a perda do objeto, é a raiz. Como escrever outro livro? Como é possível escrever outro livro da nossa vida? Há Um. A feiúra da cara da religiosa é o horror, o medo da castração. Ela sobe as escadas, sacrifica seu corpo, e goza frente à imagem santa. Este é o gozo do místico que Lacan comenta no Seminário 20, Encore. 
Outros cineastas italianos, Fellini, Pasolini, mostraram a decadência romana. Uma das formas do gozo do Outro, é a decadência. A vida do corpo é uma queda, de-cai. Este filme é sobre o início e o fim, da vida e da morte: sexo e morte.


Postado por Rosa Matz às 14:24 Nenhum comentário:
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Marcadores: beleza, castração, Coisa, desejo incestuoso, Encore de Lacan, gozo, Há Um, morte, objeto a, sexo, Sorrentino, vida

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O inconsciente real

O Inconsciente Real.
As manifestações das ruas brasileiras em junho de 2013.

Rosa Jeni Matz

As manifestações organizadas pelas redes sociais em junho em nosso país são efeitos do inconsciente real. A partir daí surgem singularidades e uma nova ordem social, apartidária, sem transferências, sem lideranças de um modelo paterno.
Pensando com Freud: em qualquer erupção do inconsciente emergem tanto pulsões de vida, de amor, Eros, que seriam os laços fraternos das manifestações, quanto pulsões de morte, algumas enlaçadas a Eros, onde o ódio, a agressividade a um poder instituído que violenta de modo econômico, ético e social o povo, aparece numa modalidade crítica, denunciativa, visando mudanças fundamentais. Mas, o ódio pode surgir de um modo destrutivo, solto, não-vinculado, como o vandalismo, o quebra-quebra, onde a capacidade de simbolizar fica submetida à ação imensa destrutiva de alguns homens.
Lacan, em seu ensino, desenvolve a questão do inconsciente em 2 momentos:
De início, retornando a Freud:
- o inconsciente freudiano, inconsciente simbólico, transferencial. Este é o inconsciente do drama edípico, da universalidade do Édipo, o inconsciente do recalque, o inconsciente como saber, do sujeito suposto saber, inconsciente que pede interpretação. O modo de gozo é fálico, atende às medidas, aos limites.
Já em seu último ensino, Lacan apresenta o inconsciente real, devido à mudança cultural onde o gozo impera como absoluto. A meu ver, estas manifestações das ruas, políticas, apontam para o inconsciente real, traumático, onde o traumático se fez aparecer. Ato de surpresa, sem sujeito, horizontal, várias tribos, sem sentido e interpretação. De uma imanência onde um significante transcendente surge: MPL, Movimento Passe Livre. Penso no passe lacaniano onde o sujeito analisando manifesta o seu desejo de ser psicanalista. A manifestação das ruas é um ato, de ruptura e responsabilidade, mas também em alguns momentos percebemos acting-out, e passagens ao ato. O sentido se desfez aparecendo o non-sense, sem sentido, que é o inconsciente real. Este inconsciente está além da interpretação, fora do sentido, sendo que a busca é pela redução do sentido, para tentar alcançar o real que nos escapa.


                                                                                                                 
Postado por Rosa Matz às 09:07 Nenhum comentário:
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Marcadores: acting-out, Brasil, Freud, inconsciente real, Lacan, manifestação das ruas em junho 2013, non-sense, passagem ao ato, pulsões de vida e de morte, responsabilidade, tribos
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